Cota de gênero

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). JULGAMENTO EM CONJUNTO. PROCEDÊNCIA. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. MATÉRIA PRELIMINAR. INDEFERIDO REQUERIMENTO DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. REJEITADA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DISCUTIDA NO MÉRITO. AUSENTE IRREGULARIDADE NA JUNTADA DE DOCUMENTO EM GRAU RECURSAL. MÉRITO. DIRETIVAS JURISPRUDENCIAIS. COMPROVAÇÃO DA FRAUDE POR RELATOS E ELEMENTOS FÁTICOS. CONFIGURADA AÇÃO PREMEDITADA DE CANDIDATOS A VEREADOR E A PREFEITO COM O OBJETIVO DA FRAUDE. NÃO DEMONSTRADO AUXILIO E INCENTIVO DO PARTIDO ÀS CANDIDATURAS FEMININAS. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO QUE DEFERIU O DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DOS ATOS PARTIDÁRIOS (DRAP). DEMONSTRADA A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PRESIDENTE DA LEGENDA NO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRÁTICA DA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE VOTOS. DETERMINADA A CASSAÇÃO DE DIPLOMAS. RECÁLCULO DE QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. CORREÇÃO DE OFÍCIO DE ERROR IN JUDICANDO DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE CANDIDATO A CARGO MAJORITÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO DO APELO REMANESCENTE PARA AFASTAR A SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE DOS DEMAIS RECORRENTES.

1. Insurgências contra sentença que julgou procedentes, em conjunto, Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) propostas pelo Ministério Público Eleitoral, e reconheceu a prática de fraude à cota de gênero, com a finalidade de preenchimento do percentual de 30% da cota feminina, para obter deferimento de registro de chapa proporcional nas eleições 2020. Ambas as demandas têm o intuito de tutelar o mesmo bem jurídico – a normalidade e a legitimidade do pleito – e foram reunidas para julgamento conjunto nos termos do art. 96–B da Lei n. 9.504/97.

2. Matéria preliminar. 2.1. Indeferido requerimento de intervenção de terceiros. Ausência de interesse jurídico específico na discussão da causa para justificar a inclusão do partido e do primeiro suplente ao cargo de vereador como assistentes. O pedido aponta apenas hipóteses abstratas, que dependem de eventual retotalização dos votos para verificação do interesse jurídico de ambos. 2.2. Rejeitada a arguição de nulidade da sentença por falta de fundamentação. A sentença está fundamentada, na medida em que enfrentou todas as teses defensivas. Ademais, fundamentação concisa não se confunde com falta de fundamentação, e a discordância das razões de decidir não implica nulidade do julgado. 2.3. Ilegitimidade passiva de recorrente para figurar nas ações eleitorais. Matéria examinada no mérito. 2.4. Ausente irregularidade na juntada de documento em grau recursal (ata notarial de transcrição de mensagens via WhatsApp), uma vez que já anexado aos autos na fase de instrução.

3. Diretivas jurisprudenciais. A reserva de gênero decorre essencialmente do princípio da igualdade, nos termos consolidados pelo STF (ADC 41, Relator ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO Dje–180 DIVULG 16–08–2017 PUBLIC 17–08–2017). É uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da sub–representação das mulheres nas casas legiferantes. Por meio dela, busca–se a correção da hegemonia masculina nas posições de tomada de decisão e o estabelecimento de uma distribuição mais adequada e equilibrada das representações de homens e mulheres nas esferas de poder. Por meio de imposição legal, buscou–se ampliar a participação feminina no processo político–eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. O § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido político preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. A partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 – “minirreforma eleitoral” –, essa disposição passa a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas “efetivamente” requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país. Nas eleições 2020, o TSE, na tentativa de inibir a burla à cota de gênero, inovou ao fazer constar na Resolução n. 23.609/19 que a inobservância da cota seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada no curso do processo (§ 6º do art. 17). O TSE apreciou caso paradigmático sobre o tema (Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Relatoria do Min. Jorge Mussi, Publicação DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107), oriundo da eleição proporcional de 2016, definindo alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto); d) nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.

4. A questão controvertida nos autos encontra moldura fática hábil à caracterização de fraude em relação a duas candidaturas femininas no pleito proporcional, com o objetivo de burlar a cota de gênero. As provas apresentadas sobre a existência de fraude em relação a uma das candidatas são robustas. No entanto, a não apresentação de recurso por ela inviabiliza a apreciação da matéria nesse grau de jurisdição. Existência de prova da fraude considerando que ambas as candidatas afirmaram não terem vontade de concorrer nas eleições e a realidade fática demonstrar que, efetivamente, obtiveram votação zerada ou apenas um voto, ausência de campanha, inclusive com indicação de destruição dos materiais recebidos. Uma não realizou a abertura da conta de campanha e outra teve a conta aberta, porém sem movimentação financeira. As candidatas mantiveram–se inertes durante todo o processo eleitoral, comportando–se como se não disputassem a eleição.

5. Arguição de ilegitimidade. As razões pelas quais ambas as candidatas colaboraram para a fraude, seja porque “não quis negar um pedido do cunhado”, “dar uma força”, seja porque “estava sem trabalho por causa da pandemia” e foi “pressionada e coagida”, não são motivos bastantes para afastar a legitimidade de ambas para figurarem no polo passivo das ações, pois o cerne da controvérsia é a comprovação de que a postulação era fictícia, concorrentes lançadas apenas para preencher o requisito formal do registro das candidaturas, a fim de resguardar a participação dos demais candidatos do partido (todos do sexo masculino) no certame eleitoral.

6. Os candidatos a vereador e a prefeito tinham consciência da necessidade de atingir a cota de 30% de concorrentes femininas a fim de viabilizar as candidaturas proporcionais. Configurada ação premeditada com o objetivo de (má–fé ou dolo) burlar a regra de proporcionalidade mínima entre homens e mulheres estabelecida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. A fraude à cota de gênero se configura pelo lançamento de candidaturas de mulheres que, na realidade, não disputaram efetivamente o pleito. Os nomes dessas candidatas foram incluídos apenas para atender à necessidade de preenchimento do percentual mínimo legal, em evidente burla à regra legal.

7. Não demonstrado que o partido tenha efetivamente auxiliado e incentivado as candidaturas femininas. Uma vez verificada a ausência de atos condizentes com quem deseja concorrer ao pleito, é responsabilidade do partido político auxiliar no que for necessário na condução das ações de campanha ou formalizar a desistência das candidaturas, a fim de substituí–las por quem efetivamente almeje concorrer, providência não tomada na hipótese dos autos. Merece reprimenda as condutas dolosas das organizações partidárias que, de forma livre e consciente, incluem, em suas fileiras de candidatos, mulheres sem interesse em concorrer ao pleito eleitoral, com a finalidade única de atender, formalmente, à exigência legal do percentual de gênero. O reconhecimento da fraude implica desconstituição da decisão anterior que deferiu o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), com a consequente cassação dos diplomas de todos os que participaram da fraude ou dela se beneficiaram, de forma direta ou indireta. Nesse sentido, entendimento do TSE.

8. Diversamente do que se verifica em relação à incidência da sanção de cassação de diplomas/registros da totalidade das candidaturas que formam a chapa proporcional (candidatos eleitos, suplentes e candidatos não eleitos de ambos os sexos), que decorre automaticamente do reconhecimento da ocorrência de fraude à cota de gênero, a inelegibilidade derivada da procedência de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral é de natureza personalíssima, incidente apenas em relação a quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Na hipótese, a inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou deve se restringir aos candidatos à vereança que, agindo em conluio, registraram candidatura fictícia perante a Justiça Eleitoral, assim como em relação ao candidato ao cargo de prefeito. Demonstrada a responsabilidade subjetiva do presidente da legenda no município por ter participado ou, pelo menos, consentido com a prática da ilicitude. Comprovado que tratou diretamente com a candidata, via WhatsApp, sobre as questões alusivas ao encaminhamento do registro da candidatura desta. Incidência na inelegibilidade cominada na legislação de regência.

9. Manutenção da sentença que reconheceu a prática da fraude à cota de gênero. Declarados nulos os votos conferidos às candidatas e aos candidatos que disputaram as eleições proporcionais pelo partido. Determinada a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Correção de ofício de error in judicando da sentença para fazer constar prazo de inelegibilidade de 8 anos a contar das eleições de 2020. Inocorrência de reformatio in pejus. Negado provimento ao recurso de candidato a cargo majoritário. Parcial provimento do apelo remanescente para afastar a sanção de inelegibilidade dos demais recorrentes.

(RECURSO ELEITORAL nº 060100529, Acórdão, Relator(a) Des. Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 101, Data 07/06/2023) 



RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - AIME. COTA DE GÊNERO. LEIS N. 9.504/97 E N. 12.034/09. CANDIDATURA FEMININA FICTA. JULGAMENTO PARADIGMÁTICO DO TSE. ESTABELECIMENTO DE PARÂMETROS. ZERO VOTO. INEXISTÊNCIA DE GASTOS ELEITORAIS. AUSÊNCIA DE PROPAGANDA. APOIO A OUTRO CANDIDATO QUE DISPUTA O MESMO CARGO. CONJUNTO DE PROVAS ROBUSTAS. CANDIDATA INERTE DURANTE DISPUTA ELEITORAL. FRAUDE CONFIGURADA. NULIDADE DOS VOTOS. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS EXPEDIDOS. RECONTAGEM DO QUOCIENTE ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Recurso contra sentença que julgou improcedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, por considerar não haver provas suficientes de que a candidatura do gênero feminino tenha sido ficta (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97), com relação ao cargo de vereador, nas eleições 2020.

2. Por meio de imposição legal, buscou-se ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. Assim, o § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido político preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. Porém, foi somente a partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 – “minirreforma eleitoral” – que essa disposição passa a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas “efetivamente” requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país.

3. O TSE, em 2019, apreciou caso paradigmático sobre o tema, no qual foram definidos alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto), nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.

4. Conjunto probatório contundente a indicar a ocorrência da candidatura ficta, pois aos elementos indiciários (votação zerada e inexistência de atos de campanha) somam-se circunstâncias qualificadoras do cenário da fraude (apoio deliberado a outro candidato ao mesmo cargo), formando um acervo robusto de provas a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição.

5. Havendo prova suficiente de candidatura feminina fraudulenta no DRAP do partido, é possível afirmar, como consequência, que foi o registro da candidatura feminina que permitiu à agremiação concorrer ao pleito com os seus dois candidatos do sexo masculino, sendo um eleito vereador e o outro primeiro suplente nas eleições de 2020. Reconhecida a prática fraudulenta à cota de gênero nas eleições proporcionais no município, contaminando a chapa proporcional como um todo. Nulidade dos votos conferidos às candidatas e aos candidatos da legenda partidária. Cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.610/19.

6. Provimento.

(Recurso Eleitoral n 060102871, ACÓRDÃO de 10/12/2021, Relator ROGERIO FAVRETO, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) 



RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AIJE. IMPROCEDENTE. TEMPESTIVIDADE DO APELO. COTAS DE GÊNERO. CANDIDATURA FEMININA FICTÍCIA. NÃO COMPROVADA. EXIGÊNCIA DE PROVA ROBUSTA DA FRAUDE ELEITORAL. PRÁTICA DE ATOS DE CAMPANHA. A INEFICIÊNCIA ELEITORAL NÃO DENOTA ARTIFICIALIDADE DA CANDIDATURA. DESPROVIMENTO.


1. Recurso contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), por entender não caracterizadas as imputações de fraude no preenchimento das candidaturas de cada sexo em relação à nominata para as eleições proporcionais municipais de 2020, em violação ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

2. Matéria preliminar superada. Tempestividade do apelo. Observado o tríduo legal previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

3. Alegada ocorrência de fraude em relação à nominata de candidaturas da agremiação à Câmara de Vereadores local, no tocante ao cumprimento da cota mínima de 30% por gênero. Suposto lançamento de candidatura fictícia apenas para preencher o mínimo legal exigido pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

4. O conteúdo teleológico da referida norma é estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Trata-se da implementação de ação afirmativa com o fim claro de fomentar a participação política das mulheres. Firme o posicionamento do TSE no sentido de que a norma é cogente e obrigatória. A fraude ao desiderato legal estaria configurada diante da indiferença da agremiação e da própria concorrente quanto ao destino de sua candidatura, cujos efeitos, no contexto do pleito, estariam restritos à burla à lei, exaurindo-se a partir do deferimento do DRAP pelo julgador do registro de candidaturas.

5. Na hipótese, demonstrado pelo acervo probatório que a candidata verdadeiramente buscou votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro exclusivamente como simulacro de candidatura. Prática de atos de campanha, inclusive comprovada pelos próprios recorrentes, os quais trouxeram diversos prints de propagandas veiculadas pela candidata nas redes sociais (Facebook), nos quais apresenta programas que pretendia realizar caso fosse eleita, bem como seus “santinhos”, pedindo expressamente voto para o cargo de vereadora. O fato de a candidata haver obtido apenas um voto não denota a artificialidade da candidatura, diante das peculiaridades do caso concreto. A ineficiência eleitoral relatada não é destoante da incipiente carreira política da candidata.

6. A jurisprudência deste Regional é consolidada no sentido de que circunstâncias como as candidatas alcançarem pequena quantidade de votos, não realizarem propaganda eleitoral, ou, ainda, oferecerem renúncia no curso das campanhas, por si sós, não são suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção. Para o severo juízo de cassação da votação de todo o partido em um determinado município, é necessária prova robusta e inconteste da prática da fraude eleitoral, sob pena de afronta ao princípio in dubio pro suffragium.

7. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 060031773, ACÓRDÃO de 09/12/2021, Relator AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) 



RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO – AIME. CANDIDATA. VEREADOR. CUNHADA DE PREFEITO REELEITO. INELEGIBILIDADE REFLEXA. CANDIDATURA FEMININA. FRAUDE. QUOTA DE GÊNERO. PRELIMINARES. DELIMITAÇÃO SUBJETIVA AFASTADA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXIGÍVEL PARA OS CANDIDATOS ELEITOS. CANDIDATA ELEITA AUSENTE NO POLO PASSIVO DA AÇÃO. EMENDA DA INICIAL IMPOSSIBILITADA. TRANSCURSO DO PRAZO. DECADÊNCIA DO DIREITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DE INELEGIBILIDADE EM SEDE DE AIME. INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL. RITO INCOMPATÍVEL. FUNGIBILIDADE. INVIÁVEL. COMINAÇÕES SENTENCIAIS AFASTADAS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUANTO AO PONTO. PROVIMENTO DO RECURSO DA CANDIDATA. DESPROVIMENTO DO RECURSO DA AGREMIAÇÃO.

1. Recursos eleitorais interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME, sob o fundamento de fraude à lei, em razão do lançamento de candidatura feminina com a única finalidade de preencher reserva de gênero legal.

2. Preliminar. Da extensão dos efeitos da AIME proposta com base em fraude à cota de gênero, do litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos eleitos e da decadência. O reconhecimento da fraude à cota de gênero no lançamento da lista de concorrentes ao pleito proporcional implica, necessariamente, cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos e candidatas registrados pelo partido com proveito da fraude perpetrada, de modo indistinto. Inviável qualquer delimitação subjetiva do alcance da presente ação, devendo, de plano, ser afastados os pedidos recursais que envolvem a cassação do registro ou diploma de forma restrita à candidata ou apenas a determinados concorrentes homens, uma vez que constituem pretensões incabíveis em sede de AIME que apura suposta fraude à cota de gênero. Recentemente, firmou-se na Corte Superior, por maioria, a tese orientadora de que, na AIME proposta com fundamento na fraude ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/1997, embora sejam afetadas todas as candidaturas vinculadas ao DRAP invalidado, não há litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos registrados da chapa impugnada, mas somente em relação aos concorrentes eleitos. Por sua vez, os demais componentes da chapa, eventuais suplentes das vagas parlamentares, podem figurar como litisconsortes passivos facultativos e, caso não integrados à demanda oportunamente, não está inviabilizado o prosseguimento da ação por tal razão. Na hipótese, ajuizada ação sem a inclusão de candidata eleita, que pode ter mandato direta e imediatamente afetado pela eventual procedência da ação. Circunstância que torna nula a sentença, nos termos do art. 115, inc. I e parágrafo único, do CPC, ante a ausência de integração de litisconsórcio passivo necessário. Ausente tal inclusão e não sendo mais possível a emenda subjetiva da inicial após o transcurso do prazo para o ajuizamento da demanda, impõe-se, desde logo, reconhecer a decadência do direito de ação, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, extinguindo o processo, com resolução de mérito, no tocante às consequências jurídicas de suposta fraude à cota de gênero.

3. Preliminar. Da inadequação da via processual para o reconhecimento de causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da CF/88. Diante das hipóteses numerus clausus de cabimento da AIME, dispostas no art. 14, § 10 da Constituição Federal, inviável a discussão atinente à inelegibilidade na presente sede processual. Uma vez ultrapassada a fase dos processos de registro de candidaturas, a inelegibilidade de natureza constitucional deve ser invocada em sede de Recurso Contra a Expedição de Diploma, consoante prevê o art. 262, caput, do Código Eleitoral, a ser manejado no prazo de três dias após o último dia limite fixado para a diplomação, nos termos do parágrafo 3º do mesmo dispositivo. Não configuradas hipóteses de fraude, corrupção ou abuso, a AIME é via processual imprópria à análise de inelegibilidade preexistente ao registro de candidatura, ainda que de índole constitucional, devendo ser extinto o processo com fundamento na inadequação da via quanto ao ponto e, por consequência, afastadas as cominações sentenciais impostas com base no reconhecimento da inelegibilidade por parentesco.

4. Provimento negado ao recurso do partido. Provimento ao apelo da candidata, ao efeito de extinguir o processo, com resolução de mérito, com base no art. 14, § 10, da CF e no art. 487, inc. II, do CPC, em relação ao fundamento da fraude à cota de gênero, bem como extinguir o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 14, § 10, da CF e no art. 485, inc. VI, do CPC, no tocante ao reconhecimento da inelegibilidade. Afastadas as sanções impostas na sentença.

(Recurso Eleitoral n 060049154, ACÓRDÃO de 26/08/2021, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) 



RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. QUOTA DE GÊNERO. SUPOSTA CANDIDATURA FRAUDULENTA. IMPROCEDÊNCIA. CONHECIDA PROVA NOVA ACOSTADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. INACESSÍVEL NO TEMPO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE. OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. FALTA DE DEDICAÇÃO À CAMPANHA. JUSTIFICATIVA. INTERNAÇÃO HOSPITALAR DA GENITORA. ATESTADO MÉDICO. PROVAS DA REALIZAÇÃO DE CAMPANHA ELEITORAL. MODESTO EMPREGO DE RECURSOS NÃO CONFIGURA CANDIDATURA FRAUDULENTA. APRESENTAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, consubstanciada em alegação de lançamento de candidatura fraudulenta, com única finalidade de preenchimento da reserva de gênero determinada pela legislação, em burla às finalidades do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

2. Conhecida prova nova acostada em segunda instância. Em regra, não se admite a juntada de novos meios de prova na fase recursal, como forma de preservação do devido processo legal e dos institutos que o informam, incluindo a preclusão e a vedação à supressão de instância. Contudo, conforme ressalvam os arts. 435, parágrafo único, e 1.014 do CPC, é possível a produção de provas em segunda instância para demonstrar fatos supervenientes ou quando se tratar de documento novo, que, por não serem conhecidos, acessíveis ou disponíveis à parte, não puderam ser produzidos no tempo próprio. Na hipótese, a prova consiste em mensagem de áudio de candidata, enviada pelo aplicativo WhatsApp, à qual o recorrente só teve acesso intempestivamente. As circunstâncias apresentadas justificam a admissão excepcional da nova prova trazida em sede recursal e, uma vez exercido o contraditório específico sobre o conteúdo do áudio pela parte adversa, nada obsta o seu conhecimento por este Tribunal.

3. A quota de gênero, instrumento legal de incentivo à participação feminina na política, posta sob o fomento e proteção da Justiça Eleitoral, está prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. O preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, em lugar de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo ao pluralismo da representatividade política, pressuposto para uma democracia plena.

4. Na hipótese, o comportamento adotado pela candidata em relação à sua campanha eleitoral é justificado de modo razoável e plausível pela necessidade de acompanhar a genitora, sob internação hospitalar em outro município, nos 23 dias imediatamente anteriores à eleição, consoante atestado médico trazido aos autos. Ademais, até o recolhimento hospitalar de sua genitora, há provas nos autos da realização de campanha eleitoral pela candidata, com a prática de atos de propaganda, conforme revelam os "santinhos" produzidos, a peça de áudio de campanha e vídeo de propaganda eleitoral com referência específica à candidata, bem como a apresentação de contas de campanha.

5. A Corte Superior consolidou a sua orientação no sentido de que, apesar do importante papel da Justiça Eleitoral na apuração de condutas que objetivam burlar o sistema previsto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, a prova da fraude à cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias do caso a denotar o inequívoco fim de mitigar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu garantir (AgR-REspe n. 799–14/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 27.6.2019; e RESPE 060203374/PI, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 02.12.2020). No mesmo sentido, jurisprudência desta Corte.

6. O contexto e o conjunto de circunstâncias concretas verificados nos autos afastam a conclusão de ter havido verdadeira candidatura simulada, pois os entraves ao melhor desempenho da concorrente decorreram de razões posteriores ao registro de candidaturas e externas ao querer da candidata e de seu partido político. O modesto emprego de recursos financeiros na campanha eleitoral não constitui elemento que venha a reforçar a tese de candidatura fraudulenta, sobretudo, tomando-se em conta a interrupção da busca de votos nas cruciais duas semanas anteriores ao pleito. Já o áudio juntado nesta fase recursal corrobora a tese de que a candidata se lançou à disputa de forma séria e autêntica. Contudo, problemas pessoais e familiares obstaram-lhe a continuidade do engajamento à campanha. Ausência de quaisquer outros fatores aptos a corroborar as alegações dos recorrentes. Manutenção da sentença.

7. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060048892, ACÓRDÃO de 13/07/2021, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 15/07/2021) 



RECURSO. ELEIÇÕES 2020. DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DOS ATOS PARTIDÁRIOS. INDEFERIMENTO. CANDIDATURA ÚNICA. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, LEI N. 9.504/97. MITIGAÇÃO DA REGRA. AUTONOMIA PARTIDÁRIA. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO.


1. Irresignação contra sentença que indeferiu o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários, em razão do pedido de registro de candidatura única para eleição proporcional, o que teria desrespeitado o disposto no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições – a cota de gênero.

2. A candidatura única, por não ser vedada pelas normas de regência, não fere o estabelecimento dos percentuais mínimos de cota de gênero. Na hipótese, a exigência do art. 10, § 3º, da Lei das Eleições deve ser mitigada, uma vez que não seria razoável exigir do partido a desistência de sua única candidatura ou o requerimento de mais uma candidatura do sexo oposto. Jurisprudência no sentido de que feriria o preceito constitucional da autonomia partidária a imposição de cotas, independente de que gênero fosse, no caso de apresentação de candidatura única.

3. Provimento. Homologação do demonstrativo de regularidade dos atos partidários da agremiação para o lançamento de candidatura única para o cargo de vereador.

(Recurso Eleitoral n 060004982, ACÓRDÃO de 22/10/2020, Relator GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/10/2020)