Ilegitimidade passiva
DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL E RECURSO ADESIVO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO.
I. CASO EM EXAME
1.1. Recurso eleitoral interposto contra sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) por captação ilícita de sufrágio ajuizada contra candidatos eleitos a prefeito e vice-prefeito, e de candidata a vereadora, bem como extinguiu o feito por ilegitimidade passiva quanto ao coordenador de campanha. 1.2. Alegação inicial de que o então candidato a vice-prefeito teria ajustado a compra de 7 votos com um eleitor, orientando-o a “tratar” com o coordenador de campanha, que, mais tarde, teria realizado dois pagamentos via Pix. O recurso sustenta haver provas robustas: prints de conversas por WhatsApp, comprovantes Pix e laudo de extração de dados telefônicos da Polícia Federal. 1.3. Interposição de recurso adesivo pelos demandados, arguindo preliminar de inépcia da inicial.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
2.1. Há três questões em discussão: (i) verificar a legitimidade passiva de terceiro não candidato em ação por captação ilícita de sufrágio; (ii) examinar se a prova produzida é suficiente para comprovar a prática do ilícito; (iii) definir a admissibilidade do recurso adesivo.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3.1. Matéria preliminar.
3.1.1. Ilegitimidade passiva ad causam (art. 485, inc. VI, do CPC). Coordenador de campanha. A jurisprudência consolidada do TSE estabelece que somente candidatos podem figurar no polo passivo da ação fundada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, motivo pelo qual é correta a extinção do feito quanto a terceiro não candidato.
3.1.2. Rejeitada arguição de inépcia da inicial. Proposta AIJE com requerimentos expressos de condenação dos demandados por prática de abuso de poder e captação ilícita de sufrágio. O procedimento observou o rito do art. 22 da LC n. 64/90, conforme determina o art. 44 da Resolução TSE n. 23.608/19, inexistindo qualquer prejuízo (art. 219, CE). Observância da Súmula n. 62 do TSE.
3.2. Mérito.
3.2.1. A captação ilícita de sufrágio exige prova robusta e incontestável da participação ou anuência dos candidatos beneficiários. No caso, não há nos autos conjunto probatório firme e coerente capaz de demonstrar a ciência ou a anuência dos candidatos em relação à conduta de terceiro (coordenador). A anuência por interposta pessoa, no caso em tela, é concluída por presunção. 3.2.2. O laudo policial não confirmatório, a evidente quebra da cadeia de custódia, as contradições internas no depoimento de eleitor e ausência de corroboração por outros meios de prova convergem para a insuficiência do liame subjetivo necessário entre o ato do terceiro e a anuência ou conhecimento dos candidatos. 3.2.3. A mera relação de subordinação entre candidatos e coordenador de campanha não autoriza, por si, a imputação por captação ilícita de sufrágio. A relação de trabalho com coordenador não equivale à coautoria, tampouco supre a necessidade de demonstração de anuência, ou de que o resultado dependia da vontade dos candidatos. 3.2.4. A tese de que o simples encaminhamento do eleitor ao coordenador configuraria "anuência" por domínio do fato contraria a dogmática do 41-A: exige-se prova segura de participação, ordem ou, ao menos, anuência consciente do candidato, não presumível de hierarquia de campanha. A jurisprudência repele imputação automática por atos de terceiros sem elo subjetivo demonstrado. 3.2.5. O abuso de poder econômico, por sua vez, pressupõe utilização desproporcional de recursos, em grau suficiente a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito, o que não se configurou no caso concreto. 3.2.6. O recurso adesivo não comporta conhecimento, bem como prejudicadas as respectivas contrarrazões, por ausência de interesse superveniente, uma vez que o recurso principal é desprovido.
IV. DISPOSITIVO E TESE
4.1. Rejeitada a matéria preliminar. Recurso eleitoral desprovido. Recurso adesivo não conhecido.
Teses de julgamento: "1. Somente candidatos podem responder por captação ilícita de sufrágio, não havendo legitimidade passiva de terceiros não candidatos; 2. A configuração da captação ilícita de sufrágio depende de prova robusta e inconteste da participação ou anuência dos candidatos beneficiários, o que não se verifica quando a prova é contraditória, frágil ou carece de confiabilidade. 3. O recurso adesivo não deve ser conhecido quando o recurso principal é desprovido."
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 41-A; LC n. 64/90, art. 22, inc. XVI; Código de Processo Civil, art. 485, inc. VI; Resolução TSE n. 23.608/19, art. 44.
Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-REspEl n. 0000551-36.2016.6.08.0018, Rel. Min. Edson Fachin, j. 24.9.2020; TSE, AgR-Respe n. 27.238, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 01.3.2018; TSE, RO-El n. 0601661-45.2018.6.03.0000, Rel. Min. Raul Araújo Filho, j. 09.02.2023; TSE, RO-El n. 0602284-17.2018.6.10.0000, Rel. Min. Carlos Horbach, j. 16.12.2021.
RECURSO ELEITORAL nº060035205, Acórdão, Relator(a) Des. Caroline Agostini Veiga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/10/2025.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 485, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO. CONJUNTO PROBATÓRIO INAPTO PARA DEMONSTRAR A PRÁTICA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS CANDIDATOS, TANTO DIRETA QUANTO INDIRETAMENTE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. PROVIMENTO NEGADO.
1. Insurgência contra a sentença que extinguiu processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, em razão de ilegitimidade passiva de um dos demandados, e, no mérito, julgou improcedente representação por captação ilícita de sufrágio proposta em face de candidatos eleitos aos cargos de prefeita e vice-prefeito nas eleições 2020.
2. Preliminar. Ilegitimidade passiva. Este Tribunal Regional Eleitoral, em precedente relativo às eleições de 2020, reconheceu que, “Em relação à legitimidade passiva de não candidato para responder demanda que envolva o ilícito do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em que pese haja doutrina preconizando a possibilidade (Rodrigo Zilio e José Jairo Gomes), a jurisprudência do TSE é pacífica no sentido de reconhecer apenas a legitimidade de candidato para responder à ação” (Recurso Eleitoral n. 060050175, Acórdão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 14.10.2022). Mantida a sentença no ponto que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, em relação a demandado não candidato, com fundamento no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.
3. Para a configuração de captação ilícita de sufrágio é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, na prática de qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei das Eleições no prazo entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor. No entanto, as provas aportadas aos autos são insuficientes para comprovar a relação entre os candidatos e as supostas cooptações de voto descritas neste processo.
4. Inexistência de elementos que evidenciem a participação direta ou indireta, expressa ou implícita, dos candidatos nos fatos relacionados à suposta entrega de dinheiro em troca de votos, sendo insuficiente a mera suposição de afinidade ideológica entre eles e o agente que supostamente buscou cooptar eleitores, sem a inequívoca comprovação de sua anuência, sob pena de violação aos postulados da responsabilidade subjetiva.
5. A tese de negativa do fato, constante na contestação, não desbordou dos limites do princípio da eventualidade. Isso porque, nos termos do art. 336 do Código de Processo Civil, incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, o que inclui a negativa de autoria, não sendo razoável exigir do réu que confesse o ilícito. Inviabilidade de se reconhecer a litigância de má-fé, visto que isso significaria impor ao réu um dever de autoincriminação.
6. Provimento negado.
RECURSO ELEITORAL nº060078267, Acórdão, Relator(a) Des. Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 08/01/2024.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDENAÇÃO. INELEGIBILIDADE. MULTA. AFASTADA A MATÉRIA PRELIMINAR. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. ULTRA PETITA. NULIDADE DA PROVA EMPRESTADA. PREFACIAL DE OFÍCIO. ILEGITIMIDADE. MÉRITO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS E ESTRUTURA DA SECRETARIA MUNICIPAL. MOVIMENTAÇÃO PARALELA DE RECURSOS FINANCEIROS. CAIXA 2. PROVIMENTO PARCIAL.
1. Insurgências contra sentença que, julgando parcialmente procedente os pedidos formulados pelo Ministério Público Eleitoral, reconheceu a prática de abuso de poder econômico e político, e captação ilícita de sufrágio, de parte dos recorrentes.
2. Afastada a matéria preliminar. 2.1. Inépcia da petição inicial. Alegada descrição genérica dos fatos, sem a imputação de condutas específicas, cerceando o direito de defesa. No entanto, a petição inicial descreve a ocorrência de diversos ilícitos eleitorais, retratando o envolvimento e a participação de cada um dos réus da ação eleitoral nos fatos descritos, bem como a anuência e o aproveitamento dos candidatos a prefeito e vice-prefeito com os ilícitos praticados, não havendo que se falar em "descrição genérica". A narrativa dos fatos observou os requisitos exigidos pelo TSE à admissibilidade de ações desta natureza, uma vez que há consonância entre os fatos narrados e os pedidos. Não demonstradas as hipóteses descritas nos incisos do art. 330, § 1º, do CPC. 2.2. Nulidade da sentença. Ultra petita. Suposta violação ao art. 492 do CPC, uma vez que houve condenação às sanções de multa e de inelegibilidade, duas vezes, embora o Ministério Público Eleitoral, autor da ação, tenha requerido a condenação por tais fatos uma única vez. Entretanto, o recorrido propôs a ação dividindo-a em dois núcleos distintos de ilícitos, atribuindo a cada um desses eixos a configuração de atos de abuso de poder econômico e de captação ilícita de sufrágio. Ao requerer fosse reconhecida a prática de atos distintos, restou evidente a pretensão do Ministério Público Eleitoral de condenação por todos os fatos atribuídos. Inteligência do art. 322, § 2º, do CPC. A descrição assegurou observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não havendo prejuízo aos recorrentes. Ademais, em se tratando de processo eleitoral, a eventual extrapolação dos limites do pedido encontraria amparo no entendimento firmado pelo TSE, no sentido de que os contornos do pedido são demarcados pela "ratio petendi" substancial, ou seja, segundo os fatos imputados à parte passiva e não pela errônea capitulação legal que deles se faça. 2.3. Nulidade da prova emprestada. Produção sem a participação dos recorrentes. Ausência de identidade de partes entre a ação eleitoral e as pessoas que foram objeto das medidas cautelares deferidas pelo magistrado da origem. No entanto, conforme jurisprudência consolidada no TSE, "não há óbice à utilização de prova emprestada em feitos eleitorais, admitindo¿se, em AIJE, o compartilhamento de provas produzidas inclusive em procedimento investigativo criminal, desde que resguardados os postulados do contraditório e da ampla defesa no processo em que tais provas serão aproveitadas" (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060039833, Acórdão, Relator(a) Min. Raul Araújo Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 152, Data: 08.8.2023). O fato de os recorrentes não integrarem o polo passivo da referida ação cautelar não impede que as provas lá produzidas sejam utilizadas nas ações eleitorais, haja vista que, no caso de produção cautelar de provas, é natural que o exercício do contraditório e da ampla defesa sejam assegurados de forma diferida, ou seja, posteriormente, durante a instrução processual nos autos em que a prova foi aproveitada, conforme garantido pelo juízo de primeira instância. 2.4. Preliminar de ofício. Terceiros não candidatos. Captação ilícita de sufrágio. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem se posicionado no sentido de conferir interpretação literal ao caput do art. 41-A da Lei das Eleições e, portanto, compreender de forma estrita que somente "o candidato" pode praticar a captação ilícita de sufrágio. Reconhecida a ilegitimidade das representadas não candidatas para figurarem na presente demanda, no que diz respeito às acusações de captação ilícita de sufrágio.
3. Utilização de recursos financeiros e estrutura da Secretaria Municipal. 3.1. Captação ilícita de sufrágio. Afastadas as condenações aplicadas às representadas não candidatas, em virtude do reconhecimento da ilegitimidade para figurarem no polo passivo. Suposta distribuição de medicamentos e violação da ordem de realização de exames médicos por eleitores buscando beneficiar candidatura. Afastada, também, a responsabilização dos candidatos, uma vez inexistirem provas que autorizem concluir pela sua ciência e anuência quanto aos alegados fatos ilícitos. 3.2. Abuso de poder político e econômico. Embora reprováveis, as condutas não ostentam a gravidade citada pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal, que visa à tutela da normalidade e à legitimidade do pleito. Descrição de três atos de captação ilícita de sufrágio em relação às irregularidades no fornecimento de medicamentos e de dois casos de agendamento de exames sem observância da fila de espera, a evidenciar que não houve a alegada utilização sistemática da estrutura da Secretaria Municipal para beneficiar a candidatura. Reforma da sentença no ponto, para afastar o reconhecimento da prática de abuso de poder econômico e político, bem como a sanção de inelegibilidade.
4. Realização de movimentação paralela de recursos financeiros (Caixa 2). 4.1. Abuso de poder econômico. Evidenciado o emprego de recursos privados em benefício da candidatura. Demonstrado, por meio de mensagens de WhatsApp, que as recorrentes, com a ciência e anuência do candidato ao cargo de prefeito, realizaram intensa movimentação paralela de recursos financeiros durante as eleições, mediante constituição de "caixa 2", utilizados principalmente para a captação ilícita de sufrágio em benefício da candidatura, sem serem computados e declarados à Justiça Eleitoral. Tal movimentação paralela restou suficientemente demonstrada pelos extratos bancários acostados aos autos, que também evidenciaram as responsáveis pela gestão dos recursos, inclusive em relação à distribuição aos eleitores, em troca de seu voto. Caracterizado o uso desproporcional de recursos financeiros, com potencialidade de viciar a vontade do eleitor e macular a lisura do pleito, ainda que tenham perdido as eleições. Não verossímeis as alegações defensivas. Sentença mantida no ponto, de forma a manter as condenações. Provimento apenas ao recurso do candidato a vice-prefeito, pois não foram produzidas provas que demonstrem sua anuência ou participação, sendo inviável a condenação pelo alegado beneficiamento de sua candidatura, ou pelo fato de ser cacique de aldeia indígena. 4.2. Captação ilícita de sufrágio. Afastadas as condenações aplicadas às representadas não candidatas, em virtude do reconhecimento da ilegitimidade para figurarem no polo passivo. Comprovada a utilização de recursos privados para oferecer e entregar benefício (dinheiro) a eleitores com a finalidade de obter-lhes o voto. No ponto, manutenção das condenações e das multas aplicadas aos recorrentes. Afastada apenas a responsabilização do candidato a vice-prefeito, ante a inexistência de provas quanto à sua participação e anuência com os fatos.
5. Provimento parcial aos recursos.
Recurso Eleitoral nº060057476, Acórdão, Relator(a) Des. Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 09/11/2023.

