Proporcionais
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO FEDERAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. FRAUDE ÀS COTAS DE GÊNERO. MATÉRIA PRELIMINAR. DECADÊNCIA. AÇÃO TEMPESTIVAMENTE AJUIZADA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA ACOMPANHADA DE ELEMENTOS MÍNIMOS. INDÍCIOS DE FRAUDE E DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INOVAÇÃO DA TESE ACUSATÓRIA. DADOS NÃO SUBMETIDOS AO CONTRADITÓRIO. ACUSAÇÕES GENÉRICAS. AMPLA DEFESA OPORTUNIZADA. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. CANDIDATURA FICTÍCIA. VÍCIO INSANÁVEL NA NOMINATA DO PARTIDO. REGISTRO DE CANDIDATURA REQUERIDO APÓS O DEFERIMENTO DO DRAP. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA ENTRE A AIME E O PROCESSO DE REGISTRO DO DRAP. VOTAÇÃO PÍFIA. ANÁLISE VERIFICADA NO CONTEXTO DA ELEIÇÃO E DAS DEMAIS CANDIDATURAS APRESENTADAS PELO PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS PRATICAMENTE ZERADA. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE DESPESAS, DE EXTRATOS BANCÁRIOS E DE RECURSOS DO PARTIDO. AUSÊNCIA DE PROPAGANDA EM HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. FATO INCONTROVERSO. INOCORRÊNCIA DE ATOS EFETIVOS DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE PROPAGANDA NA INTERNET. MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE DE AVERIGUAÇÃO. DESRESPEITO À POLÍTICA DE COTAS NA DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO DE PROPAGANDA. SIGNIFICATIVA INOBSERVÂNCIA DOS PERCENTUAIS DE GÊNERO. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE CANDIDATURA FRAUDULENTA. COMPROMETIDO O EQUILÍBRIO DA DISPUTA ELEITORAL. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE PROVA FIRME E SEGURA. DEMONSTRADA A FRAUDE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CARACTERIZADOS. VIOLADA A NORMALIDADE E A LEGITIMIDADE DO PLEITO. VOTAÇÃO COMPROMETIDA. INAPLICABILIDADE DA SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE ANUÊNCIA OU CONHECIMENTO. INVALIDADA TODA A LISTA DE CANDIDATURAS BENEFICIADAS PELA FRAUDE. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS EXPEDIDOS, TITULARES E SUPLENTES. NECESSIDADE DE RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. MATÉRIA PREQUESTIONADA. PARCIAL PROCEDÊNCIA.
1. Ação de impugnação de mandato eletivo proposta por partido político e candidato não eleito ao cargo de deputado federal, em desfavor do único candidato eleito ao cargo de deputado federal nas Eleições 2022 pelo partido demandado, por alegada fraude às cotas de gênero e prática de abuso de poder econômico.
2. Rejeitada a matéria preliminar. 2.1. Decadência. O prazo decadencial para ajuizamento da AIME expirado durante o recesso forense deve ser protraído para o primeiro dia útil seguinte. Art. 62, inc. I, da Lei n. 5.010/66. Resolução TRE-RS n. 336/19, art. 2º; art. 17, § 2º, da Resolução TRE-RS n. 347/20 e art. 176 do anexo I do Provimento CRE-RS 01/23. Ação tempestivamente ajuizada. 2.2. Ausência de prova pré-constituída da fraude ou do abuso de poder. Inicial suficientemente instruída com indícios de fraude e abuso de poder econômico por parte do impugnado. Demonstrado que, sem a participação de candidata, o partido não cumpriria o requisito do percentual de cota de gênero. Existência de elementos mínimos de prova, com dados dos processos públicos de registro de candidatura e contas eleitorais, inclusive com prova digital guardada sob a tecnologia blockchain, não havendo se falar em ausência de provas para o desencadeamento da ação. Inicial ajuizada com conjunto probatório mínimo, suficiente para o exercício da defesa e do contraditório. 2.3. Inovação da tese de acusação por meio de dados não submetidos ao contraditório. Alegação genérica que não se confirma com o exame da peça processual. Os impugnantes, em seus memoriais, reportaram-se à prova produzida e a dados públicos para rebater as teses defensivas. Contraditório devidamente observado, com a oportunização da mais ampla defesa.
3. Mérito. Votação integralmente comprometida por vício insanável na nominata do partido. Revelada fraude e abuso de poder econômico, nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal, diante da presença de candidatura fictícia "laranja", sem a qual a sigla não cumpriria o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, que exige a presença de pelo menos 30% de candidaturas de um sexo para as eleições proporcionais. Destinação insuficiente de tempo de televisão para candidaturas femininas e negras. Fatos, provas e teses defensivas analisados à luz da evolução da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, marcada pelo voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 0600651-94.2020.6.05.0046 (DJE de 30.06.2022). 3.1. Necessidade de readequação do percentual das cotas de gênero em caso de desistência da candidatura após a homologação do DRAP do partido. No caso, após desistências, o partido registrou uma candidatura masculina, o que resultou em nominata com a representatividade feminina aquém do mínimo legal, equivalente a 29,629% da lista de candidaturas. O partido saneou o vício no percentual, apresentando uma candidatura do sexo feminino, garantindo o atendimento do percentual mínimo da ação afirmativa prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, o que foi fundamental para que fosse atingido o percentual de gênero na campanha ao cargo de deputado federal. Necessidade de manutenção da política de cotas após o deferimento do demonstrativo de regularidade de atos partidários (DRAP). A circunstância de o registro de candidatura ter sido requerido após o deferimento do DRAP em nada impede a análise de fraude à cota de gênero, pois o entendimento jurisprudencial do TSE é de que "não há coisa julgada entre AIME que apura suposta existência de fraude na cota de gênero e o processo de registro do DRAP, ante a ausência de identidade entre as aludidas demandas". Assim, inegável que havia a necessidade de readequação do percentual de gênero após o deferimento do DRAP, sendo essa uma condição indispensável para a legalidade da candidatura de todos os concorrentes ao cargo de deputado federal pelo partido. 3.2. Votação zerada ou pífia. A análise da existência de votação módica deve ser verificada no contexto da eleição e das demais candidaturas apresentadas pelo partido, não sendo esse elemento um fator isolado para a procedência da ação, mas requisito que deve ser sopesado no conjunto de provas. No caso, a candidata foi a mulher com menos votos ao cargo de deputado federal. Ressalta-se que a quantidade de 14 votos obtidos em sua candidatura para deputada federal não foi considerada expressiva pelo TSE sequer na eleição para o cargo de vereador ocorrida em 2020 no Município cearense de Quixeramobim/CE, conforme voto do eminente Min. André Ramos Tavares, nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 0600550-38 (TSE, ED no RespEl n. 0600550-38, Rel. Min. André Ramos Tavares, DJE de 18.12.2023). Assim, é de se considerar que a candidata obteve votação pífia no pleito de 2022 para o cargo de deputado federal. 3.3. Prestação de contas zerada ou praticamente zerada, falta de declaração de despesas, ausência de extratos bancários e ausência de investimento de recursos do partido na campanha. Declarada, pela candidata, após o pleito, a ausência de movimentação de recursos na sua prestação de contas de campanha. Apresentada retificadora das contas, após o ajuizamento desta AIME, onde foi declarado o recebimento de recursos. A imprecisão sobre a data da entrega da propaganda impressa, aliada à retificação da sua movimentação financeira em duas oportunidades, e já no curso da presente ação, com informações que poderiam ser aproveitadas justamente para rebater a tese de movimentação financeira zerada, demonstram que perde força e credibilidade o argumento de que a candidata efetivamente teve movimentação financeira durante a campanha. A apresentação de contrato de abertura de conta bancária em nada afasta a incontestável prova de que a candidata não apresentou extratos bancários de sua prestação de contas. O diretório estadual do partido destinou para a candidatura em questão apenas uma módica quantia estimável em dinheiro, que representa 0,02% do montante de recursos recebidos pelo partido no pleito. Quantia insignificante para alavancar uma campanha ao cargo de deputado federal e incapaz de representar, de forma concreta e consistente, a realização de movimentação financeira durante o período de candidatura. 3.3.1. Pouco tempo de campanha. Houve um intervalo, que varia entre 20 e 21 dias, entre o registro da candidatura e a data da eleição, para a realização de atos de campanha, período razoavelmente suficiente para empreender suas estratégias para a candidatura. Durante esse tempo, teve a candidata a oportunidade de realizar uma série de atividades, como eventos públicos, debates, reuniões com eleitores, produção de materiais de divulgação, entre outras ações voltadas à promoção de sua candidatura. Tempo disponível suficiente para mobilizar recursos e esforços visando aumentar sua visibilidade e conquistar o apoio dos eleitores. Caracterizada a hipótese de prestação de contas praticamente zerada, diante da falta de declaração de despesas, ausência de extratos bancários e inexistência de investimento de recursos do partido na campanha. 3.4. Ausência de propaganda da candidata no horário eleitoral gratuito de televisão. Fato incontroverso. A falta de distribuição de tempo para a concorrente não resta afastada sob o fundamento de que a coligação majoritária era responsável pela produção e veiculação do filme publicitário da campanha, ou de que a candidata teve o registro requerido após a realização das gravações da propaganda em televisão, pois cabia ao partido envidar esforços para garantir que ela concorresse em mínima igualdade de condições com os demais postulantes ao mesmo cargo que participaram do horário eleitoral gratuito. A importância do horário eleitoral gratuito como instrumento essencial para o exercício democrático impacta diretamente na capacidade de os candidatos apresentarem suas propostas, sendo fundamental que o órgão responsável pelo registro da candidatura esteja atento a essa questão e tome as medidas necessárias para assegurar a igualdade de condições entre os concorrentes. Assim, ainda que os demais candidatos tivessem seus vídeos gravados em data anterior ao ingresso da candidata, e doados pela coligação majoritária, a grei omitiu-se na promoção de igualdade de oportunidades em campanha eleitoral, não podendo simplesmente delegar para terceiros a responsabilidade por essa importante atribuição, garantidora da ação afirmativa de promoção de mulheres na política. 3.5. Ausência de atos efetivos de campanha. Ausência de qualquer prova, além de capturas de tela do aplicativo WhatsApp, no sentido de que houve atos de propaganda de rua, inexistindo prova da militância de rua exercida pela candidata. Há, na verdade, um silêncio eloquente em sua propaganda. Insuficiência da confecção de apenas 5.000 "santinhos" de propaganda para comprovar a realização de atos efetivos de campanha para disputar, em equivalência com as demais candidaturas, o cargo de deputado federal, especialmente considerando que era necessário atingir 198.381 eleitores na Eleição de 2022 para a obtenção de uma cadeira na Câmara dos Deputados. Ainda, não há notícia de qualquer participação da candidata em propaganda por carreata, passeata, comício, adesivos, publicação na imprensa, participação em debates, ou por intermédio de "dobradinha"com outros candidatos. Ao contrário, a prova dos autos demonstra uma opção partidária de desvincular a sua candidatura das demais candidaturas apresentadas pelo partido. 3.5.1. O vídeo apresentado, contendo pré-campanha da candidata ao cargo de vereadora em 2024, não supre a ausência em momento pretérito de propaganda a candidatura de deputada federal em 2022, apenas demonstra que o partido tinha o conhecimento necessário para promover a candidata feminina e não o fez. Portanto, da análise do conjunto probatório, percebe-se a ausência de prova de atos efetivos de campanha. 3.5.2. Ausência de propaganda na internet e realização de propaganda de outro candidato na rede social. A candidata optou por não utilizar as redes sociais e as mídias digitais para promover a sua candidatura, embora assuma que antes do seu registro de candidatura efetuou, no seu perfil de Facebook, propaganda para outro candidato a deputado federal. Enfraquecimento da tese de que não realizou atos de campanha na internet por desconhecimento sobre o uso da ferramenta. Verificado que não houve prova de atos efetivos de campanha. 3.6. Desnecessidade de averiguação da má-fé. Conforme orientação jurisprudencial atualmente dominante, "a má-fé consistente no conluio entre as candidatas e o partido político não está inserida nas hipóteses necessárias à configuração do referido ilícito" (TSE, AREspEl 0600710-24, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 20.10.2022). O requerimento de candidatura de forma fictícia, sem a real intenção de disputar o pleito, "permite às agremiações o lançamento de maior número de candidatos, sem o efetivo adimplemento do percentual mínimo estipulado em lei, violando os valores constitucionais" (STF, ADI 6.338, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em sessão virtual do Pleno de 24 a 31 de março de 2023). No caso, está presente prova robusta dos elementos configuradores da fraude perpetrada pelo partido ao nominar a candidata "laranja", organizadora de eventos do partido e com nove anos na política, com o fim específico de preencher a cota de gênero e fraudar a legislação eleitoral. Necessidade de se acompanhar a evolução da jurisprudência consolidada no egrégio Tribunal Superior Eleitoral, considerando princípios de segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4º, in fine, do CPC). 3.7. Abuso de poder econômico por desrespeito à política de cotas na distribuição do tempo de propaganda na televisão. A agremiação desconsiderou parâmetros mínimos de tempo de veiculação da propaganda em televisão por gênero e por raça, como determinados pelo Tribunal Superior Eleitoral na resposta às Consultas TSE n. 0600252-18 e n. 0600306-47 (TSE, Cta n. 0600252-18 - DF, Rel. Min Rosa Weber, DJE de 15.08.2018; TSE, Cta 0600306-47 - DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 05.10.2020). De acordo com o art. 77, § 1º, incs. I, II, e III, da Resolução TSE n. 23.610/19, é impositiva, na distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para as candidaturas proporcionais, a destinação correspondente ao percentual de candidaturas de mulheres, de candidaturas de mulheres negras e não negras, e de candidaturas de homens negros e não negros. No caso, do exame dos documentos que acompanham a inicial, evidencia-se a inobservância dos percentuais de gênero, com tempo a menor de 1,21% para candidatas mulheres, menor em 7,69% para homens negros e menor em 7,91% para mulheres negras. Existência de elementos no sentido de que a candidatura foi apresentada de forma fraudulenta. Constatada a falta de disponibilização de tempo de antena para a candidata, fato que colide frontalmente com o interesse público de igualdade entre os candidatos e de legitimidade das eleições. Inegável a expressividade econômica do tempo de propaganda em televisão que não foi oferecido à candidata e aos demais candidatos e candidatas alcançados pela inobservância dos percentuais de gênero e de raça, o que pode distorcer o processo eleitoral, favorecendo candidatos com maior tempo de propaganda em detrimento dos demais. 3.7.1. Para a caracterização da infração não é necessário averiguar a existência de boa fé ou de má-fé, ou se houve concentração de tempo de antena no mesmo candidato, ou no candidato eleito, devendo ser realizada a verificação objetiva do tempo suprimido e o conjunto probatório. De acordo com o tempo de exposição e quantidade de aparições, verifica-se uma discrepância entre a propaganda de televisão veiculada pelo partido e o comando normativo, situação que sequer foi esclarecida nos autos pela defesa. No caso, o ato abusivo resta caracterizado com grave discriminação e desigualdade de gênero e de raça (art. 93-C, §§ 1º, 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19), importando em severo prejuízo às mulheres da legenda - em especial, à real promoção da candidata - e aos homens negros e às mulheres negras que concorriam pelo partido. Fato que viola a legitimidade do processo eleitoral, pois não assegura que as vozes de todos os setores da sociedade sejam ouvidas e representadas adequadamente, questão vital no contexto das eleições. Comprometido o equilíbrio na disputa eleitoral. Caracterizado o abuso, seja sob a forma econômica, seja mediante utilização indevida dos meios de comunicação.
4. Reconhecida a existência de prova firme e segura de que a candidata foi registrada artificialmente pelo partido para o cargo de deputada federal, unicamente para atender à proporcionalidade das cotas de gênero. Demonstrada a ocorrência de fraude, por apresentação de candidatura fictícia ("laranja"), pela presença dos elementos elencados pelo TSE para a caracterização da conduta. Reconhecida, igualmente, a prática de abuso de poder econômico e dos meios de comunicação social por desrespeito à política de cotas na distribuição do tempo de propaganda na televisão, com violação à normalidade e à legitimidade do pleito, impondo-se a cassação do diploma expedido. Ainda, a presente ação não prevê a aplicação da sanção de inelegibilidade e sequer há provas de que o impugnado foi o autor dos ilícitos verificados ou anuiu com sua prática. 4.1. Parcial procedência dos pedidos, a fim de cassar o diploma de deputado federal expedido, com fundamento no art. 14, § 10, da Constituição Federal e art. 22 da LC n. 64/90, em decorrência de ter sido diretamente beneficiado pela fraude à cota de gênero e pela interferência do poder econômico e dos meios de comunicação social. Invalidada toda a lista de candidaturas beneficiadas pela presente fraude e pelo abuso de poder econômico, decretando-se a anulação de todos os votos nominais e de legenda do partido, obtidos para o cargo de deputado federal na Eleição de 2022, no Rio Grande do Sul. Determinada a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, na forma do art. 222 do Código Eleitoral, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.610/19. Prequestionados todos os dispositivos legais e teses invocadas pelas partes.
5. Rejeitadas as preliminares. Parcial procedência.
(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº060000224, Porto Alegre-RS, Acórdão, Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 18/07/2024)
RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTAS VEDADAS E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CUMULADA COM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. PARCIALMENTE PROCEDENTE. VEREADORES ELEITOS. AGENTES PÚBLICOS. REJEITADA A MATÉRIA PRELIMINAR. DECADÊNCIA. NULIDADE DA ATUAÇÃO DO GAECO, DA BRIGADA MILITAR E DA POLÍCIA CIVIL. ILEGALIDADE DA OBTENÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL NA FASE INQUISITORIAL. NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS EM DILIGÊNCIA. NULIDADE DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO E DAS PROVAS RESULTANTES DO CUMPRIMENTO E VIOLAÇÃO À CADEIA DE CUSTÓDIA. NULIDADE DO ACESSO AOS DADOS DE CELULAR. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO ÓBICE AO ACESSO DOS MATERIAIS APREENDIDOS. NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE PROCURADOR NA AUDIÊNCIA. NULIDADE DA APREENSÃO DE CELULARES E DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INÉPCIA DA INICIAL. MÉRITO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. CONDUTAS VEDADAS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVAS ROBUSTAS, QUE DEMONSTRAM A PRÁTICA DOS ATOS ILÍCITOS. MANTIDA A SENTENÇA QUANTO À DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE, CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS E MULTA AOS RECORRENTES VEREADORES. AFASTADA A INELEGIBILIDADE APLICADA AOS RECORRENTES AGENTES PÚBLICOS E MANTIDA A IMPOSIÇÃO DE MULTA A UM DELES. PREQUESTIONAMENTO.
1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos cumulados em apuração eleitoral, relativa às Eleições 2020, em relação à Ação de Investigação Judicial Eleitoral e Representações por Condutas Vedadas e Captação Ilícita de Sufrágio. Cassação de mandatos parlamentares, inelegibilidade e multa.
2. Matéria Preliminar rejeitada. 2.1. Decadência. Na esteira do entendimento sufragado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE pode ser intentada até a data da diplomação dos eleitos. Tal marco deve ser entendido, de modo geral e objetivo, como o último dia fixado na Resolução do Tribunal Superior Eleitoral que disciplina o Calendário Eleitoral. No caso, a ação foi proposta na data da diplomação dos eleitos, sendo irrelevante o horário de sua distribuição. 2.2. Nulidade da atuação do GAECO, da Brigada Militar e da Polícia Civil. Na espécie, a investigação eleitoral foi conduzida por membro do Ministério Público, cuja competência para atuação por conta própria foi atestada pelo Supremo Tribunal Federal, e não especificamente pelo GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, órgão do Ministério Público), Brigada Militar e/ou Polícia Civil, que se limitaram a apoiar as atividades investigativas presididas pelo Promotor de Justiça designado para a função eleitoral. Portanto, não há que se falar em usurpação de competência da Polícia Federal, já que a investigação não foi conduzida por aqueles órgãos, e sim por quem detinha competência para tanto. Ademais, a atuação do Promotor de Justiça observou as diretrizes traçadas pelo Supremo Tribunal Federal e encontra-se em consonância com as atribuições previstas no art. 74 da Portaria PGR/PGE n. 01/2019, que regulamenta o disposto no art. 7º, inc. II, da Lei Complementar n. 75/93. 2.3. Ilegalidade da obtenção da prova testemunhal na fase inquisitorial. O art. 74 da Portaria PGR/PGE n. 01/2019 autoriza o membro do Ministério Público Eleitoral, sem prejuízo de outras providências, a realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos. No caso, da análise dos depoimentos colhidos pelo Promotor Eleitoral em sede inquisitorial, ausente arbitrariedade e/ou induzimento das testemunhas. Pelo contrário, a atuação do Promotor Eleitoral se deu dentro da normalidade, sem qualquer constrangimento ilegal, sendo que a insistência e reiteração nos questionamentos foi fundamental para o órgão ministerial compreender a percepção da testemunha sobre os fatos investigados, não relevando nenhum ato ilícito passível de censura. Igualmente ausente qualquer violação às medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. 2.4. Nulidade das provas produzidas na diligência realizada na Secretaria Municipal de Assistência Social. A Portaria PGR/PGE n. 01/2019 dispõe, em seu art. 74, que o Ministério Público Eleitoral poderá fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, acompanhar buscas e cumprimento de mandados, realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos, dentre outras medidas. Da análise dos autos, verifica-se que a atuação do Promotor Eleitoral na coleta das provas nas diligências realizadas na Secretaria Municipal de Assistência Social não transbordou sua esfera de competência e atribuições. Ademais, ao Ministério Público Eleitoral, é lícito adotar as medidas necessárias para preservar as provas e evidências que possam ser adulteradas ou suprimidas, inclusive determinando a permanência em seus lugares, no intuito de resguardar o estado e a conservação dos objetos que serão submetidos ao crivo judicial como provas. Ausente ilegalidade na postura do Parquet. Não configurada qualquer nulidade na coleta das provas na diligência realizada na Secretaria de Assistência Social. 2.5. Nulidade do mandado de busca e apreensão e das provas resultantes do cumprimento, e violação à cadeia de custódia. A análise dos elementos dos autos demonstra que a investigação e apuração dos fatos teve início com a denúncia, que narrou ilícitos eleitorais que vinham sendo praticados na localidade. A expedição do mandado de busca e apreensão foi deferida pelo Juízo a quo com base nos elementos concretos indicados pelo Ministério Público Eleitoral. Quanto ao argumento de nulidade das provas decorrentes da suposta violação à cadeia de custódia, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pacífico no sentido de que a decretação da nulidade decorrente da violação à cadeia de custódia depende de demonstração efetiva de prejuízo. Também é assente o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que não se declara a nulidade do ato processual se não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo suportado pela parte, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief. No ponto, além de o referido instituto ser inaplicável no âmbito de Ações de Investigação Judicial Eleitoral, inexiste comprovação do efetivo prejuízo, apto a justificar a anulação das provas produzidas. Por fim, inexiste base legal que determine o afastamento de policiais por terem atuado em diversas etapas das apurações, sem a efetiva demonstração de postura desleal e/ou ilícita do investigador, ônus do qual, igualmente, não se desincumbiram os recorrentes, tratando-se de argumentos vazios e desprovidos de respaldo jurídico probatório. 2.6. Nulidade do acesso aos dados do celular. Em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Superior Tribunal de Justiça, a ordem judicial de busca e apreensão de aparelho celular tem ínsita autorização para acesso aos dados constantes no aparelho apreendido, oriundas de mensagens de textos e conversas através de aplicativos (WhatsApp), sendo desnecessária nova ordem específica autorizando o acesso aos dados. Dessa forma, considerando que a extração dos dados de aparelho celular apreendido por determinação judicial em cumprimento a mandado de busca e apreensão prescinde de nova e específica autorização, não há que se falar em nulidade por acesso aos dados momentos antes da autorização judicial específica, já que a apreensão dos celulares foi regularmente precedida de autorização judicial com intrínseca autorização de acesso aos dados neles contidos. 2.7. Cerceamento de defesa em razão do óbice ao acesso dos materiais apreendidos. A íntegra de todo o material apreendido foi encaminhada ao juízo, ficando à disposição das partes durante a instrução do feito, garantindo-se o acesso irrestrito às conversas e demais materiais apreendidos aos interessados, que sobre eles se manifestaram, inexistindo violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Ademais, não há como se cogitar de qualquer adulteração ou manipulação da prova. 2.8. Nulidade do processo por cerceamento de defesa em razão da ausência de procurador em audiência. Correta a decisão do juízo a quo que prosseguiu com a instrução, em consonância com o disposto no § 1º do art. 362 do Código de Processo Civil. Tese defensiva genérica, limitando-se a suscitar a nulidade do ato, sem demonstrar, novamente, o nexo entre a alegada nulidade e o impacto dela decorrente, de modo a alterar a condição fática/jurídica dos recorrentes. Irretocável a conclusão do juízo que afastou a nulidade e indeferiu o pedido de repetição da prova, já que, ante a ausência de comprovação do efetivo prejuízo causado, não há que se falar em nulidade do ato, conforme disposto no art. 219 do Código Eleitoral. 2.9. Nulidade da apreensão de celulares e do mandado de busca e apreensão. A autorização judicial e o respectivo mandado de busca e apreensão foram abrangentes, possibilitando a apreensão de todos os celulares eventualmente localizados nos endereços dos investigados. Ausente quebra da cadeia de custódia, pois o armazenamento dos celulares pelo Ministério Público decorre de natural apreensão e encaminhamento para análise dos conteúdos, devidamente autorizados pelo juízo, inexistindo, por si só, qualquer violação na preservação da prova. Por fim, a rasura em certidão não tem o condão de nulificar o ato por dois motivos: primeiro, somente foi riscado o endereço pré-preenchido no formulário em razão de o celular ter sido encontrado no interior de um veículo, abordado em via pública, circunstância essa expressamente consignada na certidão; segundo, o recorrente não comprovou o efetivo prejuízo suportado com a rasura do endereço na certidão, consoante postulado do princípio pas de nullité sans grief. 2.10. Inépcia da inicial. A exordial descreveu suficientemente os fatos e fundamentos de forma a viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa, além do que os pedidos nela deduzidos são determinados e compatíveis entre si, sendo que dos fatos narrados decorre logicamente a conclusão, não havendo que se falar em inépcia da petição inicial.
3. Dos fatos. Imputações de abuso de poder econômico e político, conduta vedada e captação ilícita de sufrágio, condutas atribuídas, no que envolve o exame dos recursos, a dois candidatos eleitos ao cargo de vereador nas Eleições 2020 e a seus cabos eleitorais. Utilização da máquina pública municipal em prol de suas candidaturas, mediante emprego de influência política para intermediar a distribuição de bens e serviços. Injeção de recursos financeiros, não declarados na prestação de contas, em prol de campanha, para pagamento de benefícios a eleitores. Uso político-promocional da distribuição gratuita de cestas básicas, custeadas pelo poder público, em favor de candidaturas. Oferecimento de benesses a eleitores em troca do voto.
4. Recursos dos candidatos aos cargos de vereador. 4.1. O cotejo analítico entre as teses defensivas e as provas produzidas nos autos não deixa dúvidas de que os recorrentes fizeram uso da máquina pública em prol de suas candidaturas, mediante emprego de influência política para intermediar a distribuição de bens e serviços, notadamente com a Secretaria de Assistência Social do Município, desvirtuando a atividade estatal de seu fim jurídico-constitucional com o objetivo de direcionar o sentido do voto e influenciar o comportamento eleitoral dos cidadãos. Os atos praticados pelos recorrentes configuram o que se chama de “assistencialismo eleitoreiro”, que é uma das formas mais graves e odiosas de abuso de poder político e econômico, pois manipula a consciência política dos cidadãos, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade, explorando a ignorância e o desespero alimentar de famílias em situação de miserabilidade em troca de votos. A gravidade das circunstâncias, no caso, coloca em cheque a integridade do processo eleitoral no município, maculando a legitimidade do pleito e a sinceridade popular expressa nas urnas, bens jurídicos constitucionais que a legislação almeja proteger. Entretanto, a responsabilização pela prática de abuso de poder deve recair apenas sobre os candidatos, pois consistem nos efetivos autores dos atos praticados, não havendo provas de que os servidores tenham agido além da condição de meros mandatários ou auxiliares materiais. Confirmada a prática de abuso de poder político e econômico por um dos candidatos e a prática de abuso de poder político pelo outro. Mantida a declaração de inelegibilidade desses recorrentes para as eleições que se realizem nos 08 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020, bem como a cassação de seus mandatos parlamentares, com a recontagem dos votos. 4.2. As provas produzidas demonstram ainda o sistêmico uso político-promocional da distribuição gratuita de cestas básicas custeadas pelo poder público em favor das candidaturas, impondo-se a manutenção da responsabilização dos recorrentes também por prática da conduta vedada descrita no inc. IV do art. 73 da Lei 9.504/97. Cassação dos mandatos e aplicação de multa. 4.3. Quanto à captação ilícita de sufrágio, o recurso merece provimento em relação à ausência de provas acerca do cometimento desse ilícito eleitoral por um dos candidatos. Assim, a prova dos autos demonstra a presença, no caso em concreto, de todos os elementos que configuram a captação ilícita de sufrágio por apenas um dos candidatos, impondo a manutenção da responsabilização deste, por atos que se amoldam perfeitamente à figura tipificada no art. 41-A da Lei 9.504/97. Cassação do diploma e aplicação de multa. 4.4. Inviável o conhecimento do pedido de restituição dos aparelhos telefônicos em sede recursal, sob pena de supressão de instância. O pedido deve ser dirigido ao Juízo de primeiro grau, após o exame dos recursos, a quem compete decidir sobre a destinação dos materiais apreendidos em sede de investigação e/ou durante a instrução do feito.
5. Recursos dos agentes públicos. Embora os recorrentes tenham participado de maneira direta, sistêmica, articulada e reiterada do esquema de distribuição de bens e serviços em diversas instâncias da administração pública do município, as condutas e o modus operandi, amplamente comprovados nos autos, revelaram que os servidores agiram sob as ordens dos candidatos. Dessa forma, os recursos comportam provimento para que seja afastada a declaração de inelegibilidade de todos os servidores, que havia sido imputada com fundamento no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90. No mesmo sentido, as condutas praticadas por dois dos recorrentes, não obstante terem sido relevantes no esquema de distribuição de bens e serviços, não configuram prática de conduta vedada pela legislação, já que, de fato, não possuíam ingerência ou poder de decisão para fazer ou permitir o uso promocional da distribuição das cestas básicas e/ou prestação de serviços custeados pelo poder público, de forma a atrair a incidência da vedação constante no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97. Aplicação de multa a uma das recorrentes, por seu comportamento subsumir-se perfeitamente à conduta vedada pelo inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, que não busca reprimir a política social de distribuição de cestas básicas em si, mas sim o uso promocional e eleitoreiro que dela foi feito.
6. Preliminares rejeitadas. Provimento aos recursos de três agentes públicos e parcial provimento ao apelo da servidora remanescente, com manutenção da multa aplicada. Afastada a inelegibilidade imposta a todos os servidores. Parcial provimento ao recurso de um dos candidatos e provimento negado ao outro. Mantida a sentença quanto à declaração de inelegibilidade, cassação dos diplomas e multa aos candidatos eleitos ao cargo de vereador. Prequestionada toda a matéria invocada nos autos.
(RECURSO ELEITORAL nº 060090356, Santo Ângelo - RS, Acórdão, Relator(a) Des. Voltaire de Lima Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, edição n. 36/2024, Data 29/02/2024)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU ECONÔMICO. IMPROCEDENTE. MATÉRIA PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENVOLVENDO O PRESIDENTE DA REPÚBLICA À ÉPOCA DOS FATOS. QUESTÃO JÁ ENFRENTADA E AFASTADA POR ESTE TRIBUNAL. PRECLUSÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO À COLIGAÇÃO RECORRIDA. MÉRITO. PARTICIPAÇÃO DE EMPRESÁRIO EM CAMPANHA MAJORITÁRIA. EXIBIÇÃO DE VÍDEO EM REDES SOCIAIS. DISCURSO QUE TERIA VINCULADO A INSTALAÇÃO DE LOJA MEDIANTE VOTO NO CANDIDATO À REELEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO ELEITORAL OU EXISTÊNCIA DE ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. INOCORRÊNCIA DE ATO OFICIAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE QUE O ENCONTRO ESTAVA INSERIDO EM AGENDA OFICIAL DA PREFEITURA OU QUE TENHA SIDO DIRETA OU INDIRETAMENTE CUSTEADO COM RECURSOS PÚBLICOS. NÃO DEMONSTRADA PARTICIPAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS DURANTE JORNADA DE TRABALHO. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO EVIDENCIAM DE MODO INDUVIDOSO A UTILIZAÇÃO DE EXPEDIENTE DE TEMOR, AMEAÇA OU COAÇÃO ELEITORAL CAPAZ DE AFETAR A LEGITIMIDADE DO PLEITO. DESPROVIMENTO.
1. Recurso eleitoral interposto por coligação contra sentença que julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) diante da inexistência de provas do alegado abuso de poder político.
2. Matéria preliminar. 2.1. A alegação de litisconsórcio passivo necessário envolvendo o Presidente da República à época dos fatos já foi enfrentada e afastada por este tribunal nestes mesmos autos, que extinguiu a ação diante do reconhecimento da decadência e da ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiários e o autor do fato tido como ilícito. 2.2. Preclusão. Ocorrência. O art. 1.013 do CPC, ao consagrar o princípio tantum devolutum quantum appellatum, é expresso ao prever que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, podendo ser objeto de apreciação e julgamento todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas por inteiro em primeira instância, mas desde que relativas ao capítulo impugnado Na hipótese, o recurso não impugnou especificamente o mérito decisório da questão envolvendo as manifestações do ex-presidente, encontrando-se o tema precluso. 2.3. Ilegitimidade passiva suscitada de ofício, uma vez que os partidos e as coligações não podem sofrer as sanções previstas em caso de procedência da ação de investigação judicial eleitoral. Jurisprudência sedimentada de que não são legitimados para figurar no polo passivo por não restarem alcançados pelas penalidades de cassação de registro ou diploma e declaração de inelegibilidade. Extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação à coligação recorrida, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC.
3. Mérito. Controvérsia recursal em relação ao fato de o candidato recorrido, então no efetivo exercício do cargo de prefeito do município, ter iniciado uma transmissão ao vivo em sua página pessoal no Facebook, na qual, com outros empresários, secretários municipais e políticos locais, recebeu empresário em visita ao terreno onde seria instalada uma nova unidade de sua rede de lojas. No contexto apresentado, a participação do empresário em vídeo de campanha eleitoral, ainda que pedindo votos ao candidato de sua preferência e desqualificando o concorrente e seu partido, não implica desrespeito à legislação eleitoral ou abuso de poder político e econômico, uma vez que a pessoa física do empresário detém direito à participação política e à livre manifestação de seu pensamento. Jurisprudência consolidada pela possibilidade de manifestação política de empresários e figuras públicas na propaganda eleitoral, a qual se insere na livre manifestação do pensamento constitucionalmente protegida (art. 5º, inc. IV, da CF/88).
4. Inocorrência de abuso a partir da alegação de que o encontro iniciou em um ato oficial transmudado em evento de campanha e realizado em horário de expediente da Prefeitura e aproveitando-se do aparato público. Apesar do esforço argumentativo da recorrente, não há nos autos indícios mínimos de que o encontro estava inserido na agenda oficial da Prefeitura, que tenha sido direta ou indiretamente custeado com recursos públicos ou efetuado por meio do uso de servidores públicos em jornada de trabalho. Do vídeo acostado, extrai-se que o encontro ocorreu na rua, em frente ao terreno em que seria instalado o novo empreendimento, sem a presença massiva de público e sem a realização de formalidades ou protocolos oficiais. Nítida a diferença entre o caso em tela e a decisão liminar referendada pelo Plenário do TSE nos autos da AIJE n. 0601002-78.2022.6.00.0000, invocada como possível paradigma pela coligação recorrente.
5. Alegação de que a fala do empresário teria excedido os limites da sua liberdade de expressão e do mero proselitismo político para emitir um “discurso ameaçador”, condicionando o investimento na nova loja a um resultado das urnas favorável ao então prefeito. Fato bastante semelhante foi analisado por esta Corte que entendeu pela inexistência de conduta eleitoralmente abusiva e com gravidade suficiente a justificar a desconstituição do mandato eletivo (REl n. 0600658-54.2020.6.21.0042, de Relatoria do Des. Amadeo Henrique Ramella Buttelli, procedente de Santa Rosa). Assim, nada de concreto e sério é dito a ponto de fazer crer que um resultado diferente na eleição poderia retirar, por vontade de uma única pessoa, seja do candidato concorrente ou do empresário, o investimento já iniciado no município. Portanto, no caso, as circunstâncias não revelam o uso indevido ou exorbitante de recursos público ou privados para alavancar ou prejudicar determinado candidato na realização do vídeo, tampouco evidenciam, de modo cabal e induvidoso, a utilização de expediente de temor, ameaça ou coação eleitoral capaz de afetar a legitimidade do pleito.
6. Desprovimento.
(RECURSO ELEITORAL nº 060079022, Bagé - RS, Acórdão, Relator(a) Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 215, Data 27/11/2023)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). IMPROCEDENTE. PRELIMINARMENTE. DESISTÊNCIA RECURSAL NÃO VÁLIDA. PRELIMINAR AFASTADA. FRAUDE E ABUSO DE PODER. PEDIDO CUMULADO. FRAUDE ÀS COTAS DE GÊNERO E PRÁTICA DE ABUSO DE PODER. ANÁLISE CIRCUNSCRITA À AIME. MÉRITO. FRAUDE ÀS COTAS DE GÊNERO. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. RESPONSABILIZAÇÃO PARTIDÁRIA. CONTEXTO PROBATÓRIO FARTO E APTO A CARACTERIZAR A PRÁTICA DE FRAUDE NA CONSTRUÇÃO DAS COTAS DE GÊNERO. MANEJO ILUSÓRIO DE CANDIDATURA FEMININA. DETERMINADA A CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS CONCEDIDOS. NULIDADE DOS VOTOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) proposta por diretório municipal de partido.
2. Preliminarmente. 2.1. Afastada a preliminar de desistência recursal. O acolhimento da desistência seria atentar, no caso concreto, ao princípio da autonomia partidária, nos termos do artigo 17, § 1º, da Constituição Federal. Observada a ocorrência de manobras internas, resultantes em manifestação eivada de "vício de vontade" do partido. Privilegiado o respeito ao mandamento constitucional da autonomia partidária. 2.2. Pedido cumulado pelo partido recorrente de prática de fraude à cota de gênero e de prática de abuso de poder de parte dos recorridos. Análise circunscrita à elucidação de ocorrência ou a não ocorrência de fraude à cota de gênero no âmbito da AIME proposta, em que as eventuais consequências jurídicas são sutilmente diversas de uma hipotética condenação em AIJE.
3. Mérito. Fraude à cota de gênero. Premissas legais e jurisprudenciais. Nos casos de fraude, o partido deve ser chamado à responsabilidade, pois é seu o ônus manter o percentual legal, já que as agremiações são responsáveis pela oferta de nomes aptos a concorrer, bem como pelo comportamento ativo e passivo dos candidatos no curso do processo. Em evolução jurisprudencial, os tribunais eleitorais têm se debruçado sobre o conjunto de situações que se prestam a identificar as "candidaturas laranjas". Em precedente desta Corte (julgamento conjunto dos recursos eleitorais na AIJE n. 0600995.82.2020.6.21.0029 e na AIME n. 0601005-29.2020.6.21.0029) foi balizada a responsabilidade das agremiações na implementação efetiva das candidaturas femininas. Assim, segundo o precedente citado, "A fraude à cota de gênero se configura pelo lançamento de candidaturas de mulheres que, na realidade, não disputaram efetivamente o pleito. Os nomes dessas candidatas foram incluídos apenas para atender à necessidade de preenchimento do percentual mínimo legal, em evidente burla à regra legal".
4. Matéria fática e contexto probatório. Cometimento de fraude à integração de cota de gênero, de parte da chapa proporcional ¿ candidatos a vereador ¿ nas eleições de 2020. Registro fraudulento de candidata, de modo a cumprir a cota de 30% (trinta por cento), piso de proporção de candidaturas de cada gênero, conforme o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Os fatos comprovados ultrapassam a linha da mera negligência, ou "ação amadorística", quer da candidata, quer do partido. Com tranquilidade, e estreme de qualquer dúvida, nota-se contexto probatório farto e apto a caracterizar a prática de fraude na construção das cotas de gênero. Cuida-se, aqui, de típico manejo ilusório de candidatura feminina, sem que ela, a candidatura, tenha realmente ocorrido em termos fáticos.
5. No caso, a candidata não possuía domicílio eleitoral no município e nem era filiada ao partido, não fazendo sequer um voto nas eleições de 2020. Ainda, compartilhou, nas redes sociais, manifestações de candidaturas adversárias e enviou áudios à tesoureira do partido com fala em nítido posicionamento de abandono de campanha eleitoral, bem antes do trânsito em julgado da sentença de indeferimento do seu registro. Das imagens existentes nos autos se percebe que, em todas as fotografias, o material ou se encontra totalmente acondicionado ou lacrado. Nesse contexto, não há na instrução processual prova efetiva da realização de campanha eleitoral da candidata. A prova testemunhal não possui o condão de afastar fatos documentados que demonstram ter sido a candidatura um subterfúgio utilizado para o preenchimento ¿ nitidamente fraudulento ¿ da proporção de gênero exigida pela legislação.
6. Existência de elementos como a votação zerada e inexistência de atos de campanha somam-se a circunstâncias como o apoio deliberado a outro candidato ao mesmo cargo e a adversários do partido, e que formam um conjunto de provas contundentes a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição, em grande semelhança a fatos presentes nos precedentes citados e caracterizadores de fraude à cota de gênero.
7. Provimento. Declarados nulos os votos concedidos ao partido na eleição proporcional. Determinada a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes) em relação aos candidatos da agremiação. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.
(RECURSO ELEITORAL nº 060103930, Torres - RS, Acórdão, Relator(a) Des. Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 14/11/2023)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). IMPROCEDENTE. CORRUPÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. ALTERAÇÃO EM ROTINAS E FLUXOS DE UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE. APREENSÃO DE MEDICAMENTOS E RECEITUÁRIOS EM VEÍCULO ESTACIONADO NO PÁTIO DA RESIDÊNCIA DO CASAL. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REALIZAÇÃO DE CAMPANHA ELEITORAL POR PARTE DE FUNCIONÁRIOS DA UBS MEDIANTE COAÇÃO. CONFIGURADA PRÁTICA DAS CONDUTAS IRREGULARES. QUEBRA DA ISONOMIA ENTRE OS CANDIDATOS. CÔMPUTO DOS VOTOS. INAPLICÁVEL O DISPOSTO NO ART. 175, § 4º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DETERMINADA A PERDA DO DIPLOMA. DECLARADA INELEGIBILIDADE. NULIDADE DOS VOTOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) proposta pelo Ministério Público Eleitoral, em desfavor de candidato eleito para a vaga de suplente de vereador nas eleições 2020. O juízo de origem concluiu não haver provas seguras da participação do recorrido em eventuais condutas ilícitas.
2. A ação de impugnação de mandato eletivo possui cunho constitucional, com assento no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal, cujas hipóteses de cabimento são o abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. As condutas que podem caracterizar a procedência de uma AIME não são taxativas, mas substanciadas em quaisquer atos ilícitos que extrapolem o exercício regular e legítimo da posição pública, ou capacidade econômica, dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito, rompendo com a normalidade e a legitimidade da eleição. Ainda, no tocante ao abuso de poder, convém assinalar que os atos eivados de tal vício serão interpretados sob o viés do indevido desequilíbrio ao pleito. A quebra da normalidade e legitimidade está vinculada à gravidade das circunstâncias, sem a necessidade de que seja demonstrada a relevância no tocante ao resultado das urnas.
3. Matéria fática. Alterações nas rotinas e fluxos de unidade básica de saúde, local de trabalho da companheira do representado e reduto eleitoral deste, praticadas pela companheira com a finalidade de beneficiar o candidato. Apreensão de medicamentos e receituários em veículo pertencente ao candidato, que se encontrava estacionado no pátio da residência do casal. Arquivamento de inquérito civil de improbidade administrativa. Realização de campanha eleitoral por parte de funcionários da UBS mediante coação.
4. No caso em análise, ainda que o candidato eleito para a vaga de suplente de vereador figurasse apenas na condição de beneficiário do abuso de poder político, a legislação impõe a cassação de seu diploma eleitoral. Diante do destaque do candidato perante o eleitorado do município, a atuação de agentes comunitários de saúde - reforçando o nome do candidato e associando-o aos serviços de saúde - demonstrou inequívoco apelo eleitoral que rompeu com a normalidade e a legitimidade do pleito, em inegável quebra da isonomia entre os concorrentes ao cargo de vereador. Configurada a prática das condutas irregulares, impondo a cassação do diploma do candidato eleito para a vaga de suplente de vereador, incidindo, no caso dos autos, a inelegibilidade por 8 (oito) anos, nos termos do art. 1º, inc. I, al. "h", da LC n. 64/90.
5. Cômputo dos votos. Configurada a hipótese prevista no caput do art. 237 do Código Eleitoral (desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade de voto), devendo os votos dados ao candidato ser declarados nulos, nos termos do art. 222 do referido diploma legal, com o respectivo recálculo dos quocientes eleitoral e partidário pela Justiça Eleitoral.
6. Inaplicável o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. No caso, a procedência da presente demanda decorre do reconhecimento da prática de atos abusivos com impacto no pleito, com a consequência direta de anulação dos votos obtidos ilicitamente, conforme previsão legal.
7. Provimento. Cassação do diploma. Inelegibilidade. Nulidade dos votos. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.
(RECURSO ELEITORAL nº 060056103, Viamão - RS, Acórdão, Relator(a) Des. Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 13/11/2023)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). IMPROCEDENTE. PRELIMINARMENTE. DESISTÊNCIA RECURSAL NÃO VÁLIDA. PRELIMINAR AFASTADA. FRAUDE E ABUSO DE PODER. PEDIDO CUMULADO. FRAUDE ÀS COTAS DE GÊNERO E PRÁTICA DE ABUSO DE PODER. ANÁLISE CIRCUNSCRITA À AIME. MÉRITO. FRAUDE ÀS COTAS DE GÊNERO. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. RESPONSABILIZAÇÃO PARTIDÁRIA. CONTEXTO PROBATÓRIO FARTO E APTO A CARACTERIZAR A PRÁTICA DE FRAUDE NA CONSTRUÇÃO DAS COTAS DE GÊNERO. MANEJO ILUSÓRIO DE CANDIDATURA FEMININA. DETERMINADA A CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS CONCEDIDOS. NULIDADE DOS VOTOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) proposta por diretório municipal de partido.
2. Preliminarmente. 2.1. Afastada a preliminar de desistência recursal. O acolhimento da desistência seria atentar, no caso concreto, ao princípio da autonomia partidária, nos termos do artigo 17, § 1º, da Constituição Federal. Observada a ocorrência de manobras internas, resultantes em manifestação eivada de “vício de vontade” do partido. Privilegiado o respeito ao mandamento constitucional da autonomia partidária. 2.2. Pedido cumulado pelo partido recorrente de prática de fraude à cota de gênero e de prática de abuso de poder de parte dos recorridos. Análise circunscrita à elucidação de ocorrência – ou a não ocorrência – de fraude à cota de gênero no âmbito da AIME proposta, em que as eventuais consequências jurídicas são sutilmente diversas de uma hipotética condenação em AIJE.
3. Mérito. Fraude à cota de gênero. Premissas legais e jurisprudenciais. Nos casos de fraude, o partido deve ser chamado à responsabilidade, pois é seu o ônus manter o percentual legal, já que as agremiações são responsáveis pela oferta de nomes aptos a concorrer, bem como pelo comportamento ativo e passivo dos candidatos no curso do processo. Em evolução jurisprudencial, os tribunais eleitorais têm se debruçado sobre o conjunto de situações que se prestam a identificar as “candidaturas laranjas”. Em precedente desta Corte (julgamento conjunto dos recursos eleitorais na AIJE n. 0600995.82.2020.6.21.0029 e na AIME n. 0601005-29.2020.6.21.0029) foi balizada a responsabilidade das agremiações na implementação efetiva das candidaturas femininas. Assim, segundo o precedente citado, “… A fraude à cota de gênero se configura pelo lançamento de candidaturas de mulheres que, na realidade, não disputaram efetivamente o pleito. Os nomes dessas candidatas foram incluídos apenas para atender à necessidade de preenchimento do percentual mínimo legal, em evidente burla à regra legal…”.
4. Matéria fática e contexto probatório. Cometimento de fraude à integração de cota de gênero, de parte da chapa proporcional – candidatos a vereador – nas eleições de 2020. Registro fraudulento de candidata, de modo a cumprir a cota de 30% (trinta por cento), piso de proporção de candidaturas de cada gênero, conforme o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Os fatos comprovados ultrapassam a linha da mera negligência, ou “ação amadorística”, quer da candidata, quer do partido. Com tranquilidade, e estreme de qualquer dúvida, nota-se contexto probatório farto e apto a caracterizar a prática de fraude na construção das cotas de gênero. Cuida-se, aqui, de típico manejo ilusório de candidatura feminina, sem que ela, a candidatura, tenha realmente ocorrido em termos fáticos.
5. No caso, a candidata não possuía domicílio eleitoral no município e nem era filiada ao partido, não fazendo sequer um voto nas eleições de 2020. Ainda, compartilhou, nas redes sociais, manifestações de candidaturas adversárias e enviou áudios à tesoureira do partido com fala em nítido posicionamento de abandono de campanha eleitoral, bem antes do trânsito em julgado da sentença de indeferimento do seu registro. Das imagens existentes nos autos se percebe que, em todas as fotografias, o material ou se encontra totalmente acondicionado ou lacrado. Nesse contexto, não há na instrução processual prova efetiva da realização de campanha eleitoral da candidata. A prova testemunhal não possui o condão de afastar fatos documentados que demonstram ter sido a candidatura um subterfúgio utilizado para o preenchimento – nitidamente fraudulento – da proporção de gênero exigida pela legislação.
6. Existência de elementos como a votação zerada e inexistência de atos de campanha somam-se a circunstâncias como o apoio deliberado a outro candidato ao mesmo cargo e a adversários do partido, e que formam um conjunto de provas contundentes a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição, em grande semelhança a fatos presentes nos precedentes citados e caracterizadores de fraude à cota de gênero.
7. Provimento. Declarados nulos os votos concedidos ao partido na eleição proporcional. Determinada a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes) em relação aos candidatos da agremiação. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). IMPROCEDENTE. CORRUPÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. ALTERAÇÃO EM ROTINAS E FLUXOS DE UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE. APREENSÃO DE MEDICAMENTOS E RECEITUÁRIOS EM VEÍCULO ESTACIONADO NO PÁTIO DA RESIDÊNCIA DO CASAL. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REALIZAÇÃO DE CAMPANHA ELEITORAL POR PARTE DE FUNCIONÁRIOS DA UBS MEDIANTE COAÇÃO. CONFIGURADA PRÁTICA DAS CONDUTAS IRREGULARES. QUEBRA DA ISONOMIA ENTRE OS CANDIDATOS. CÔMPUTO DOS VOTOS. INAPLICÁVEL O DISPOSTO NO ART. 175, § 4º, DO CÓDIGO ELEITORAL. DETERMINADA A PERDA DO DIPLOMA. DECLARADA INELEGIBILIDADE. NULIDADE DOS VOTOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) proposta pelo Ministério Público Eleitoral, em desfavor de candidato eleito para a vaga de suplente de vereador nas eleições 2020. O juízo de origem concluiu não haver provas seguras da participação do recorrido em eventuais condutas ilícitas.
2. A ação de impugnação de mandato eletivo possui cunho constitucional, com assento no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal, cujas hipóteses de cabimento são o abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. As condutas que podem caracterizar a procedência de uma AIME não são taxativas, mas substanciadas em quaisquer atos ilícitos que extrapolem o exercício regular e legítimo da posição pública, ou capacidade econômica, dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito, rompendo com a normalidade e a legitimidade da eleição. Ainda, no tocante ao abuso de poder, convém assinalar que os atos eivados de tal vício serão interpretados sob o viés do indevido desequilíbrio ao pleito. A quebra da normalidade e legitimidade está vinculada à gravidade das circunstâncias, sem a necessidade de que seja demonstrada a relevância no tocante ao resultado das urnas.
3. Matéria fática. Alterações nas rotinas e fluxos de unidade básica de saúde, local de trabalho da companheira do representado e reduto eleitoral deste, praticadas pela companheira com a finalidade de beneficiar o candidato. Apreensão de medicamentos e receituários em veículo pertencente ao candidato, que se encontrava estacionado no pátio da residência do casal. Arquivamento de inquérito civil de improbidade administrativa. Realização de campanha eleitoral por parte de funcionários da UBS mediante coação.
4. No caso em análise, ainda que o candidato eleito para a vaga de suplente de vereador figurasse apenas na condição de beneficiário do abuso de poder político, a legislação impõe a cassação de seu diploma eleitoral. Diante do destaque do candidato perante o eleitorado do município, a atuação de agentes comunitários de saúde - reforçando o nome do candidato e associando-o aos serviços de saúde - demonstrou inequívoco apelo eleitoral que rompeu com a normalidade e a legitimidade do pleito, em inegável quebra da isonomia entre os concorrentes ao cargo de vereador. Configurada a prática das condutas irregulares, impondo a cassação do diploma do candidato eleito para a vaga de suplente de vereador, incidindo, no caso dos autos, a inelegibilidade por 8 (oito) anos, nos termos do art. 1º, inc. I, al. “h”, da LC n. 64/90.
5. Cômputo dos votos. Configurada a hipótese prevista no caput do art. 237 do Código Eleitoral (desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade de voto), devendo os votos dados ao candidato ser declarados nulos, nos termos do art. 222 do referido diploma legal, com o respectivo recálculo dos quocientes eleitoral e partidário pela Justiça Eleitoral.
6. Inaplicável o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. No caso, a procedência da presente demanda decorre do reconhecimento da prática de atos abusivos com impacto no pleito, com a consequência direta de anulação dos votos obtidos ilicitamente, conforme previsão legal.
7. Provimento. Cassação do diploma. Inelegibilidade. Nulidade dos votos. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.
(RECURSO ELEITORAL nº 0600561-03, Viamão - RS, Acórdão, Relator(a) Des. Eleitoral Afif Jorge Simôes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data 10/11/2023)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CARGO DE VEREADORA. SUPLENTE. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. DECLARADA INELEGIBILIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. CONDENAÇÃO DE ADVOGADO E MARIDO DA CANDIDATA. PRELIMINARES. PRODUÇÃO DE PROVA EM FASE RECURSAL. NULIDADE DA PROVA. ILEGALIDADE DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL. INVASÃO DE DOMICÍLIO. ILICITUDE DA PROVA POR DERIVAÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. VÍDEOS. WHATSAPP. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. INTEMPESTIVIDADE DE ALEGAÇÕES FINAIS. MATÉRIA REJEITADA. MÉRITO. CONTEXTUALIZAÇÃO NORMATIVA E JURISPRUDENCIAL. CONFIGURADA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONCESSÃO DE VANTAGENS ILÍCITAS EM TROCA DE VOTO. TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES. PROVAS DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. DEMONSTRADO CONHECIMENTO E PARTICIPAÇÃO DA CANDIDATA. MOVIMENTAÇÃO EXPRESSIVA DE DINHEIRO. VALORES NÃO DECLARADOS À JUSTIÇA ELEITORAL. MACULADA A NORMALIDADE E A LEGITIMIDADE DO PLEITO. MULTA APLICADA EM PATAMAR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO.
1. Irresignação contra sentença que julgou parcialmente procedente representação por captação ilícita de sufrágio cumulada com ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), por prática de abuso de poder econômico, para cassar diploma de suplente ao cargo de vereadora, declará–la inelegível pelo prazo de 8 anos e condená–la a pagamento de multa. Declarada a nulidade dos votos por ela recebidos, bem como determinada a realização de recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Condenação do advogado e marido da candidata ao pagamento de multa, assim como declarada sua inelegibilidade.
2. Afastada a matéria preliminar. 2.1. Produção de prova em fase recursal. Conforme pacífico entendimento do TSE, “o art. 270 do Código Eleitoral permite a juntada de documentos na fase recursal perante os tribunais regionais eleitorais nas hipóteses de coação, fraude, uso de meios de que trata o art. 237 ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios” (ED em AR em RESPE n. 44208, Relator designado Min. João Otávio de Noronha DJE: 27.10.2015). Cuida–se de medida excepcional, que, no caso dos autos, não se justifica, haja vista não se tratar de documentos novos, desconhecidos ou inacessíveis às partes, tampouco destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô–los aos que foram produzidos nos autos, a teor do art. 270 do Código Eleitoral. Não conhecidos os documentos juntados com o recurso. 2.2. Nulidade da prova por ilegalidade de gravação ambiental e invasão de domicílio. Entendimento do TSE e deste Tribunal no sentido de que são ilícitas as provas obtidas por meio de gravação ambiental clandestina feita em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos interlocutores. Entretanto, na hipótese, as gravações foram feitas de forma ostensiva, em ambiente público, com o consentimento dos cidadãos abordados, que responderam livremente às perguntas formuladas e sem coação. Em se tratando de captação ambiental em ambientes públicos e havendo a ciência pelos outros interlocutores de que a conversa estava sendo gravada, este Tribunal tem entendimento assentado de que a gravação ambiental pode ser usada como prova, desde que seja espontânea e registrada por um dos interlocutores da conversa, circunstância que não viola os princípios da intimidade e vida privada e demais argumentos expostos pelos recorrentes. Pendente análise do STF quanto à necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova, devendo ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada. Não reconhecida ilicitude da prova por derivação e aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, uma vez que, além dos vídeos constituírem provas lícitas, o Procedimento Investigatório Criminal, o Procedimento Preparatório Eleitoral e a decisão que deferiu o mandado de busca e apreensão se fundamentaram em outros elementos de prova, que, de forma autônoma e independente, são suficientes para a formação do juízo de convencimento. Não demonstrada a alegada invasão de domicílio, pois o conjunto probatório não permite inferir que a pessoa que ingressou no pátio comum da casa e do escritório do recorrente fosse servidor do Ministério Público Eleitoral fazendo investigações de cunho eleitoral no recinto. Ademais, todos os documentos juntados aos autos foram produto do cumprimento regular do mandado de busca e apreensão. 2.3. Cerceamento de defesa por ausência de perícia técnica em vídeos e conversas de WhatsApp, indeferimento de prova testemunhal e intempestividade de alegações finais. 2.3.1. Perícia técnica. A produção de prova pericial não foi postulada pelos recorrentes em nenhuma fase processual. Ausência de requerimento específico. O material contido nos aparelhos eletrônicos apreendidos foi acessado após o regular cumprimento do mandado de busca e apreensão, em procedimento adequado e com segurança de extração, coleta e armazenamento de dados, conforme decidiu este Tribunal no julgamento do MS n. 0600550–54.2020.6.21.0000, reforçando a autenticidade e veracidade do que foi colhido. 2.3.2. Prova testemunhal. Parcialmente deferidas as oitivas das testemunhas, à exceção de três das setenta e duas, que, segundo análise do juízo a quo, foram arroladas para comprovar fatos idênticos, não configurando indeferimento da produção de prova testemunhal. Ademais, não comprovada a ausência das testemunhas com fundamento no § 4º do art. 455 do CPC, razão pela qual não foi alterado o ônus processual. Inexiste cerceamento de defesa quando, franqueada a produção de prova testemunhal, as testemunhas não compareceram por motivos alheios à atuação do órgão jurisdicional. 2.3.3. Intempestividade. Não há interesse recursal quanto à alegação de cerceamento de defesa por intempestividade das alegações finais apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral. Tal intempestividade foi reconhecida em sentença, oportunidade em que determinado seu desentranhamento dos autos. O fato de não terem sido desentranhadas as alegações não traz prejuízos à parte, pois em nenhum momento processual – inclusive na sentença – lhe foi feita referência.
3. Contextualização normativa e jurisprudencial. As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 3.1. Abuso de poder econômico. Necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral. A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente. 3.2. Captação ilícita de sufrágio. Necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41–A da Lei Eleitoral ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor. O TSE consolidou posicionamento no sentido de que a configuração da prática demanda atenção a alguns requisitos: “(a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (RO n. 0603024–56.2018.6.07.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônico, Tomo 215, Data: 26.10.2020).
4. Mérito. Todos os elementos para configuração de captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder econômico, consistente em concessão de vantagens ilícitas em troca de voto e transporte ilegal de eleitores, foram comprovados nos autos. Encontrados arquivos em computador com anotações que evidenciaram a prática de troca de favores para obtenção de votos, como fraldas, vales–gasolina, cestas básicas e materiais de construção. Prova testemunhal a corroborar a documentação encontrada. 4.1. Gasolina. A entrega dos vales– gasolina, na grande maioria dos registros, ocorreu poucos dias antes da eleição. Existência de balanço dos vales–gasolina ofertados e entregues em prol da candidatura da recorrente, relacionando modelo de carro, placa, telefone e assinaturas dos recebedores. Constatada organização na documentação de eleitores e vantagens patrimoniais correspondentes, razão pela qual a informação de que se trataria de uma estimativa de votos (e não de dinheiro recebido por eleitor) mostra–se débil diante da robusta prova produzida, principalmente documental. 4.2. Cestas básicas. Distribuição de sacolas de alimentos a eleitores visando à obtenção de votos. Lista com referência a eleitores e sacola de alimentos. Existência de fotografias de conversa por aplicativo de mensagens na qual eleitora cobra a entrega de cesta básica que lhe teria sido prometida. 4.3. Além de gasolina, alimentos e dinheiro, outros favores econômicos eram objeto de arranjo entre os recorrentes e eleitores, tais como caixa de cerveja, passagens de ônibus intermunicipal, instalação de água e luz, telhas e tubos de conexão hidráulica, não se tratando de promessas de campanha que beneficiam a comunidade de modo geral, mas de benesses individuais com finalidade escusa de obtenção ilegal de votos.
5. Transcrição de mensagens de WhatsApp. Explicitada a existência de esquema de troca de favores por votos de parte dos investigados. Demonstrado total conhecimento e participação da candidata a partir das conversas entabuladas entre ela e o marido, em que são feitos arranjos para pagamento a eleitores, prometendo–lhes carne, cerveja, jantas, fraldas, salgados, refrigerantes e até “fumo” para presidiários que lhe prometeram votos. A captação ilícita mediante transporte de eleitores realizada pelos recorrentes em prol da candidatura da vereadora também fica evidente, constando em lista de tarefas do marido. Diante das provas robustas produzidas nos autos, principalmente documentais, a prova testemunhal mostra–se insuficiente para infirmar a conclusão pela captação ilícita de sufrágio e abuso de pode econômico. Os depoimentos foram superados pela comprovação da atividade ilícita, amplamente documentada, que desenvolviam os recorrentes, muitas vezes com a conivência das próprias testemunhas.
6. Comprovado esquema de compra de votos, com movimentação expressiva de dinheiro e outras vantagens para arregimentação ilegal de eleitores, tendo a candidata gastado em sua campanha valores em muito superiores aos que foram declarados em sua prestação de contas à Justiça Eleitoral.
7. Demonstrados a captação ilícita de sufrágio e o abuso do poder econômico. Maculada a normalidade e a legitimidade do pleito. Contaminada de modo irreversível a regularidade do processo eleitoral. A cassação de diploma, a aplicação de multa, a declaração de inelegibilidade e o recálculo de votos são medidas que se impõem, com fundamento no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, art. 41–A, caput, da Lei n. 9.504/97, e nos arts. 30–A e 41–A da Lei das Eleições. Multa aplicada em patamar razoável e proporcional, considerando a gravidade das condutas. Manutenção da sentença.
8. Provimento negado.
(RECURSO ELEITORAL nº 060073708, Panambi - RS, Acórdão, Relator(a) Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 175, Data 25/09/2023)
RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. PARCIALMENTE PROCEDENTE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MATÉRIA PRELIMINAR. EFEITO SUSPENSIVO DA SENTENÇA AFASTADO. ADMISSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA EM RELAÇÃO A DUAS PEÇAS RECURSAIS. NÃO CONHECIMENTO. SENTENÇA EXTRAPETITA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NA SENTENÇA. MÉRITO. DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC E DO TEMPO DE PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA NA TELEVISÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INOBSERVÂNCIA DOS PERCENTUAIS DE GÊNERO E DE RAÇA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. BENEFICIÁRIO DIRETO. DESEQUILÍBRIO ENTRE OS CANDIDATOS DA AGREMIAÇÃO. NULIDADE DOS VOTOS. NECESSIDADE DA REALIZAÇÃO DO RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. INAPLICABILIDADE DO ART. 175, § 4º DO CÓDIGO ELEITORAL. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A ATUAÇÃO DIRETA E ESPECÍFICA. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS CONHECIDOS. NÃO CONHECIDO OS DEMAIS INTERPOSTOS.
1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, ajuizada em face de vereador eleito no pleito de 2020 por prática de abuso do poder econômico e dos meios de comunicação social. Acolhida preliminar de ilegitimidade passiva da Comissão Provisória do partido. Cassado o diploma do candidato e declarado nulos os votos por ele obtidos, determinando o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Julgados improcedentes os demais pedidos formulados.
2. Matéria Preliminar. 2.1. Efeito suspensivo da sentença. Os recursos eleitorais não possuem efeito suspensivo. Entretanto, há expressa previsão para esse efeito no caso de recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo. Preliminar afastada. 2.2. Admissibilidade recursal. Complementação por meio de peças recursais sucessivas. Ocorrência da preclusão consumativa. Impossibilidade de a parte interpor recurso diferente contra a mesma decisão ou complemente as razões já postuladas. Nesse sentido, jurisprudência do TSE e deste Tribunal. Conhecida unicamente as razões apresentadas primeiramente. Não conhecidas as demais. 2.3. Sentença extrapetita. Nos termos da Súmula TSE n. 62, "os limites do pedido são estabelecidos pelos fatos descritos na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor". Pedido improcedente, uma vez que a petição inicial tem como causa de pedir não apenas a prática de atos de abuso de poder, mas também a obtenção de benefício a partir dela, independentemente de o beneficiado ter contribuído ou não para sua ocorrência. Não reconhecida nulidade na sentença.
3. Premissas jurídicas do abuso de poder (econômico e midiático). Para a configuração do abuso de poder econômico é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos, e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral. São institutos abertos, não sendo definidos por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito. Por sua vez, a utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre quando um veículo de comunicação social deixa de observar a legislação, e tal ato resulta em benefício eleitoral a candidato, partido ou coligação.
4. No pleito de 2020, competia aos partidos políticos, nas candidaturas para vereador, (1) em relação ao total de candidaturas lançadas, observarem percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada gênero; (2) em relação aos recursos públicos do Fundo Partidário (FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão – (2.1) observarem o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% destinados para cada gênero; bem como (2.2) havendo percentual mais elevado do que o mínimo em candidaturas femininas, observarem a alocação de recursos e tempo de rádio e TV na mesma proporção; (3) em relação aos recursos públicos do FP e do FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão dentro do gênero feminino, observarem a sua alocação proporcional ao número de candidatas negras e brancas; (4) em relação aos recursos públicos do FP e FEFC e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão dentro do gênero masculino, observarem a sua alocação proporcional ao número de candidatos negros e brancos.
5. Distribuição de recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão. O partido lançou 53 candidaturas para o pleito proporcional, sendo 16 mulheres (30,19%) e 37 homens (69,81%), atendendo aos percentuais mínimo e máximo de gênero estabelecidos no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Assim, deveria ter direcionado 30,19% dos recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão para candidatas mulheres, e, dentro do gênero feminino, 12,5% desses recursos especificamente para as candidatas pardas/negras. Por outro lado, competia destinar 69,81% dos recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para candidatos homens; e, dentro do gênero masculino, 45,94% dos mesmos itens especificamente para os candidatos pardos/negros.
6. O valor total dos recursos provenientes do FEFC recebido pelo investigado é incontroverso e representa 43,06% do montante total obtido pelo partido, maior do que deveria ser atribuído a todos os candidatos homens brancos que concorreram ao cargo de vereador. O montante corresponde a 94,19% dos recursos utilizados em sua campanha, ou 97,98% se considerado apenas os valores em dinheiro, já que o candidato utilizou recursos próprios e recebeu doação em bens estimáveis. Portanto, quase toda a receita de sua campanha emanou deste repasse de recursos públicos do FEFC, consistindo em desproporcional concentração de recursos públicos nas mãos de um único candidato. A distribuição equitativa de recursos financeiros é um aspecto crucial para garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos em uma campanha eleitoral. A disparidade de recursos compromete a capacidade dos candidatos de realizarem campanhas robustas e efetivas, prejudicando a competição justa e dificultando a participação de concorrentes menos privilegiados financeiramente.
7. Desproporção na alocação do tempo de televisão entre as candidaturas a vereador pelo partido. Ao permitir que um candidato concentre a maior parte do tempo de propaganda na televisão, cria–se uma clara desigualdade de oportunidades entre os concorrentes, gerando desequilíbrio na visibilidade e dificultando a promoção da diversidade na política, o que contraria as ações afirmativas da legislação eleitoral. Ao se concentrar o tempo de propaganda em um único candidato, viola–se o princípio fundamental da democracia, minando a confiança dos eleitores no processo eleitoral e na imparcialidade das instituições responsáveis por sua condução.
8. A busca pela igualdade de gênero e pela promoção da diversidade racial é um princípio fundamental em uma sociedade democrática e inclusiva. A inobservância desses percentuais pode caracterizar abuso de poder econômico e utilização indevida dos meios de comunicação, comprometendo a igualdade de oportunidades e a representatividade política. Na hipótese, restou comprovado que o investigado foi diretamente beneficiado pelo abuso de poder econômico, tendo recebido expressiva quantia, que corresponde a 43% dos valores repassados pelo FEFC. Violados os enunciados das Consultas TSE n. 0600252–18.2018 e 0600306–47.2019, bem como o acórdão na ADPF–MC n. 738/DF. Configurado abuso de poder econômico e utilização indevida dos meios de comunicação. Prejudicadas as outras candidaturas do partido. Reconhecida afronta à lei, com base no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.
9. Os votos obtidos devem ser declarados nulos, recalculando–se os quocientes eleitoral e partidário (arts. 222 e 237 do Código Eleitoral). Inaplicabilidade, no caso, do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. A procedência da AIJE em virtude do reconhecimento da prática de atos abusivos com impacto no pleito tem como consequência a anulação dos votos obtidos ilicitamente, conforme previsão legal explícita.
10. Não reconhecida inelegibilidade em decorrência do recebimento de recursos do FEFC e distribuição do tempo de propaganda gratuita de TV, sem observância aos percentuais de gênero e raça. Necessidade de demonstrar a atuação direta e específica do recorrido nas situações mencionadas nos autos, o que não foi realizado. A falta de elementos concretos de sua atuação com o intuito de obter benefício próprio não confere segurança suficiente para ensejar a sanção de inelegibilidade pelo prazo de oito anos.
11. Não conhecidos o segundo e o terceiro recurso. Provimento negado aos recursos conhecidos. Mantida integralmente a sentença. Prequestionada toda a matéria invocada nos autos.
(RECURSO ELEITORAL nº 060101744, Porto Alegre - RS, Acórdão, Relator(a) Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 150, Data 17/08/2023)
RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PREFEITO REELEITO E VICE ELEITO. VEREADOR REELEITO. MATÉRIA PRELIMINAR. GRAVAÇÃO CLANDESTINA. ILICITUDE. PRINTS DO WHATSAPP. LICITUDE. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA COM RELAÇÃO AOS CANDIDATOS MAJORITÁRIOS. DEMONSTRADA A COMPRA DE VOTOS EM RELAÇÃO AO EDIL. ADESIVAGEM DE VEÍCULOS MEDIANTE PAGAMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA. NULIDADE DOS VOTOS. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL E DA COLIGAÇÃO. DESPROVIMENTO DO APELO DO CANDIDATO A VEREADOR.
1. Recursos contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) cumulada com representação por captação ilítica de sSufrágio em face de candidato reeleito ao cargo de prefeito, candidato eleito a vice–prefeito e vereador reeleito.
2. Matéria preliminar. Ilicitude das gravações ambientais. Atual jurisprudência da Corte Superior Eleitoral no sentido da ilicitude das provas obtidas por meio de gravação ambiental clandestina feita em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos interlocutores ante o primado da privacidade e da intimidade, direitos fundamentais garantidos pela Constituição, mormente quando gravadas em ambiente particular, sob o risco de incentivar essa prática em cenário de disputa acirrada como o eleitoral. Ilicitude da prova. Entretanto, de acordo com entendimento majoritário deste Tribunal, o raciocínio quanto às gravações ambientais não se estende às mensagens de voz e texto produzidas e enviadas pelos próprios demandados por meio de WhatsApp, restando preservada a validade desta prova. No mesmo sentido, licitude do restante do caderno probatório, formado essencialmente por documentos de caráter público e depoimentos judiciais, os quais não derivam diretamente das provas consideradas inválidas.
3. Promessa de entrega de lotes em troca de apoio político, caracterizando abuso de poder político e econômico e, concomitantemente, captação ilícita de sufrágio. Existência de lei municipal autorizando o município a criar loteamento mediante fracionamento de terras urbanas de sua propriedade, cujos lotes serão alienados a famílias de baixa renda, selecionadas por aplicação de regras e critérios divulgados em edital de chamamento público. Política pública de moradia em execução desde o ano de 2017. 3.2. Veiculação de propaganda enaltecendo a política pública envolvendo moradias populares e prometendo a realização de mais loteamentos no mandato subsequente. Conteúdo de acordo com o que faculta a Lei n. 9.504/97, pois veicula simples divulgação de informações sobre as realizações passadas e sobre a plataforma que se pretende desenvolver em futuro mandato, por meio de uma promessa genérica de campanha, a qual, por si só, não configura ato abusivo ou compra de votos (TSE – AI n. 55888/MG, Relatora: Ministra Luciana Lóssio, DJE de 02.10.2015). 3.3 A caracterização do abuso de poder político e econômico dependeria de demonstração inconteste de que a efetivação da política pública ocorreu à margem da lei, ou com ampliação significativa de recursos a beneficiários no ano do pleito, ou, de modo geral, com a utilização indevida da máquina pública para objetivos precipuamente eleitorais. 3.4. O reconhecimento da captação ilícita de sufrágio exige o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) a realização de quaisquer das condutas enumeradas pelo dispositivo – doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública; (ii) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (iii) a participação ou anuência do candidato beneficiado; e (iv) a ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição. Além disso, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que é necessária a existência de conjunto probatório suficientemente denso para a configuração do ilícito eleitoral (TSE – REspe n. 71881/RN, Relator: Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 26.02.2019). 3.5. A prova das alegações seria a captação ambiental já reconhecida como ilícita em matéria preliminar e por prints de conversas via WhatsApp, de cujo conteúdo não é possível depreender o contexto integral da conversa e nem extrair do diálogo que tenha havido algum condicionamento ao voto ou o pedido ou oferta do voto como retribuição, mesmo que indiretamente. No mesmo sentido, a prova testemunhal é vaga e meramente especulativa, insuficiente para que se conclua pelo desvirtuamento dos fins legais previstos para o programa habitacional e sequer permite relacionar com segurança a concessão do benefício com o pleito. O testemunho indireto (hearsay testimony) sobre suposta distribuição eleitoreira de lotes não se reveste da segurança necessária para demonstrar a ocorrência dos ilícitos, mormente quando sequer há menção à identidade dos eleitores que verdadeiramente teriam participado dos fatos. Debilidade dos elementos de prova, remanescendo apenas um testemunho singular e exclusivo sobre os fatos, que, sem corroboração por outros elementos idôneos, não confere base à drástica medida de cassação dos mandatos eletivos, consoante estabelece expressamente o art. 386–A do Código Eleitoral. Insuficiência probatória sobre o tópico em questão.
4. Adesivagem de veículos mediante pagamento, com fornecimento de combustíveis em troca de votos. Negociação entre o candidato a vereador eleito e eleitor por meio de mensagens trocadas pelo WhatsApp, registrada em ata notarial. A autenticação dos arquivos eletrônicos por ata notarial é suficiente para que se admita a veracidade do que consignado pelo Tabelião de Notas, somente passível de contestação por prova idônea em sentido contrário extraída da própria fonte original. Na linha da jurisprudência da Corte Superior, a configuração da captação ilícita de sufrágio não exige necessariamente o pedido expresso de votos, bastando a evidência do fim especial de agir, averiguado de acordo com as circunstâncias do caso concreto (TSE – RESPE n. 35573/MS, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 06.09.2016, DJE de 31.10.2016, e RO n. 8362–51/RS, Relator: Min. Dias Tofoli, DJe de 29.11.2013). Na hipótese, o acervo probatório comprova que houve entrega de dinheiro pelo candidato a vereador durante o período eleitoral, e que a colocação de adesivos era uma forma de controle e de conclusão da negociação do voto. Inexistência de prova suficiente da participação dos candidatos majoritários. As sanções previstas para o art. 41–A, caput, da Lei n. 9.504/97 são aplicadas de forma pessoal ao autor do ilícito, não atingindo os candidatos meramente beneficiários sobre os quais não há prova inconteste de participação ou anuência nos fatos. Remansoso posicionamento jurisprudencial no sentido de que a compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo art. 41–A da Lei n. 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir concretamente a gravidade da conduta para a dosimetria das sanções legais de cassação do diploma e multa, as quais deverão ser aplicadas sempre cumulativamente (TSE – RO–El n. 060173077/AP 060173077, Relator: Min. Raul Araújo Filho, Data de Julgamento: 14.03.2023; RO–El n. 0603900–65/BA, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020, e AgR–REspe n. 20855/CE, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 5.11.2019).
5. Condenação do edil cumulativamente à cassação do mandato eletivo e à multa. Quantum da multa aplicada mostra–se adequado em relação às balizas estipuladas no art. 41–A, caput, da Lei das Eleições, pois próximo do mínimo legal e suficiente à reprovação da conduta ante a quantia empregada na própria captação de sufrágio. Declarados nulos para todos os fins os votos atribuídos ao vereador e determinado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19 e nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, bem como na linha de reiterados julgados do TSE.
6. Parcial provimento aos recursos do Ministério Público Eleitoral e da Coligação. Provimento negado ao apelo do candidato.
(RECURSO ELEITORAL nº 060073975, Condor - RS, Acórdão, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 147, Data 14/08/2023)
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. VEREADOR ELEITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROCEDENTE. CONDENAÇÃO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. PRELIMINAR. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. VALIDADE DA PROVA. MÉRITO. ART. 41–A DA LEI N. 9.504/97. PRESENTES TODOS OS ELEMENTOS QUE CONFIGURAM A COMPRA DE VOTOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DETERMINADO O RECÁLCULO DO QUOCIENTE ELEITORAL E PARTIDÁRIO. NEGADO PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou procedente representação pela prática de captação ilícita de sufrágio nas eleições municipais de 2020. Condenação ao pagamento de multa e cassação do diploma. Declarada ainda a inelegibilidade e a nulidade dos votos recebidos pelo vereador, determinando sua atribuição à legenda partidária.
2. Matéria preliminar. 2.1. Nulidade por cerceamento de defesa. A manifestação de defesa demonstra que o recorrente não teve nenhuma dificuldade na compreensão dos diálogos, cuja tradução foi juntada posteriormente aos autos. Não apresentada qualquer alegação concreta sobre a nulidade ventilada e muito menos demonstrado prejuízo ao recorrente. Ausente qualquer nulidade que implique cerceamento de defesa. 2.2. Validade da prova. A Procuradoria Regional Eleitoral suscita a necessidade de examinar a validade de gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais. Entretanto, não discutida a questão em primeira instância e sequer invocada em razões recursais, descabe seu conhecimento de oficio por este Tribunal, sob pena de supressão de instância. Prova válida, que deixou de ser impugnada quando havia possibilidade.
3. Matéria fática. Oferta de bem a eleitor, com o fim de obter seu voto e o de sua esposa, feita por cabo eleitoral, com o conhecimento do representado, no período compreendido entre o registro da candidatura até o dia da eleição.
4. A mera promessa ou oferta de bem ou vantagem ao eleitor em troca de seu voto já é suficiente para enquadramento no art. 41–A da Lei n. 9.504/97, não sendo preciso que o ato se concretize, restando desnecessária a apresentação das cédulas utilizadas para o pagamento do voto do eleitor. Presentes no caso em análise todos os elementos que configuram a captação ilícita de sufrágio: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A, na espécie, oferecer ou entregar; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.
5. A gravação e os testemunhos colhidos em juízo demonstram a negociação da compra de votos, tratativas claras e evidentes acerca do pagamento e dos valores, bem como, no mínimo, a ciência e anuência do candidato com o que ali se passava, mesmo que a execução fosse majoritariamente conduzida pelo cabo eleitoral.
6. A PRE em seu parecer afirma que a sentença incorreu em erro material ao determinar a nulidade dos votos e estabelecer que devem ser atribuídos à legenda partidária. Esta Corte já reconheceu a preponderância do art. 222 do Código Eleitoral, dispositivo que embasa a sentença recorrida, fixando que “inexiste fundamento jurídico plausível para que sejam considerados, na competição eleitoral, os votos destinados ao candidato condenado, sob pena de reprovável benefício indevido. Reconhecidos os ilícitos perpetrados, devem ser considerados nulos os votos”, devendo ser determinado o recálculo do quociente eleitoral (Recurso Eleitoral n. 060059792, Acórdão, Relator Des. GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico–PJE).
7. Provimento negado. Determinado o recálculo do quociente eleitoral e partidário.
RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). JULGAMENTO EM CONJUNTO. PROCEDÊNCIA. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. MATÉRIA PRELIMINAR. INDEFERIDO REQUERIMENTO DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. REJEITADA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DISCUTIDA NO MÉRITO. AUSENTE IRREGULARIDADE NA JUNTADA DE DOCUMENTO EM GRAU RECURSAL. MÉRITO. DIRETIVAS JURISPRUDENCIAIS. COMPROVAÇÃO DA FRAUDE POR RELATOS E ELEMENTOS FÁTICOS. CONFIGURADA AÇÃO PREMEDITADA DE CANDIDATOS A VEREADOR E A PREFEITO COM O OBJETIVO DA FRAUDE. NÃO DEMONSTRADO AUXILIO E INCENTIVO DO PARTIDO ÀS CANDIDATURAS FEMININAS. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO QUE DEFERIU O DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DOS ATOS PARTIDÁRIOS (DRAP). DEMONSTRADA A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PRESIDENTE DA LEGENDA NO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRÁTICA DA FRAUDE À COTA DE GÊNERO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE VOTOS. DETERMINADA A CASSAÇÃO DE DIPLOMAS. RECÁLCULO DE QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. CORREÇÃO DE OFÍCIO DE ERROR IN JUDICANDO DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE CANDIDATO A CARGO MAJORITÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO DO APELO REMANESCENTE PARA AFASTAR A SANÇÃO DE INELEGIBILIDADE DOS DEMAIS RECORRENTES.
1. Insurgências contra sentença que julgou procedentes, em conjunto, Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) propostas pelo Ministério Público Eleitoral, e reconheceu a prática de fraude à cota de gênero, com a finalidade de preenchimento do percentual de 30% da cota feminina, para obter deferimento de registro de chapa proporcional nas eleições 2020. Ambas as demandas têm o intuito de tutelar o mesmo bem jurídico – a normalidade e a legitimidade do pleito – e foram reunidas para julgamento conjunto nos termos do art. 96–B da Lei n. 9.504/97.
2. Matéria preliminar. 2.1. Indeferido requerimento de intervenção de terceiros. Ausência de interesse jurídico específico na discussão da causa para justificar a inclusão do partido e do primeiro suplente ao cargo de vereador como assistentes. O pedido aponta apenas hipóteses abstratas, que dependem de eventual retotalização dos votos para verificação do interesse jurídico de ambos. 2.2. Rejeitada a arguição de nulidade da sentença por falta de fundamentação. A sentença está fundamentada, na medida em que enfrentou todas as teses defensivas. Ademais, fundamentação concisa não se confunde com falta de fundamentação, e a discordância das razões de decidir não implica nulidade do julgado. 2.3. Ilegitimidade passiva de recorrente para figurar nas ações eleitorais. Matéria examinada no mérito. 2.4. Ausente irregularidade na juntada de documento em grau recursal (ata notarial de transcrição de mensagens via WhatsApp), uma vez que já anexado aos autos na fase de instrução.
3. Diretivas jurisprudenciais. A reserva de gênero decorre essencialmente do princípio da igualdade, nos termos consolidados pelo STF (ADC 41, Relator ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO Dje–180 DIVULG 16–08–2017 PUBLIC 17–08–2017). É uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da sub–representação das mulheres nas casas legiferantes. Por meio dela, busca–se a correção da hegemonia masculina nas posições de tomada de decisão e o estabelecimento de uma distribuição mais adequada e equilibrada das representações de homens e mulheres nas esferas de poder. Por meio de imposição legal, buscou–se ampliar a participação feminina no processo político–eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. O § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido político preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. A partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 – “minirreforma eleitoral” –, essa disposição passa a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas “efetivamente” requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país. Nas eleições 2020, o TSE, na tentativa de inibir a burla à cota de gênero, inovou ao fazer constar na Resolução n. 23.609/19 que a inobservância da cota seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada no curso do processo (§ 6º do art. 17). O TSE apreciou caso paradigmático sobre o tema (Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Relatoria do Min. Jorge Mussi, Publicação DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107), oriundo da eleição proporcional de 2016, definindo alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto); d) nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.
4. A questão controvertida nos autos encontra moldura fática hábil à caracterização de fraude em relação a duas candidaturas femininas no pleito proporcional, com o objetivo de burlar a cota de gênero. As provas apresentadas sobre a existência de fraude em relação a uma das candidatas são robustas. No entanto, a não apresentação de recurso por ela inviabiliza a apreciação da matéria nesse grau de jurisdição. Existência de prova da fraude considerando que ambas as candidatas afirmaram não terem vontade de concorrer nas eleições e a realidade fática demonstrar que, efetivamente, obtiveram votação zerada ou apenas um voto, ausência de campanha, inclusive com indicação de destruição dos materiais recebidos. Uma não realizou a abertura da conta de campanha e outra teve a conta aberta, porém sem movimentação financeira. As candidatas mantiveram–se inertes durante todo o processo eleitoral, comportando–se como se não disputassem a eleição.
5. Arguição de ilegitimidade. As razões pelas quais ambas as candidatas colaboraram para a fraude, seja porque “não quis negar um pedido do cunhado”, “dar uma força”, seja porque “estava sem trabalho por causa da pandemia” e foi “pressionada e coagida”, não são motivos bastantes para afastar a legitimidade de ambas para figurarem no polo passivo das ações, pois o cerne da controvérsia é a comprovação de que a postulação era fictícia, concorrentes lançadas apenas para preencher o requisito formal do registro das candidaturas, a fim de resguardar a participação dos demais candidatos do partido (todos do sexo masculino) no certame eleitoral.
6. Os candidatos a vereador e a prefeito tinham consciência da necessidade de atingir a cota de 30% de concorrentes femininas a fim de viabilizar as candidaturas proporcionais. Configurada ação premeditada com o objetivo de (má–fé ou dolo) burlar a regra de proporcionalidade mínima entre homens e mulheres estabelecida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. A fraude à cota de gênero se configura pelo lançamento de candidaturas de mulheres que, na realidade, não disputaram efetivamente o pleito. Os nomes dessas candidatas foram incluídos apenas para atender à necessidade de preenchimento do percentual mínimo legal, em evidente burla à regra legal.
7. Não demonstrado que o partido tenha efetivamente auxiliado e incentivado as candidaturas femininas. Uma vez verificada a ausência de atos condizentes com quem deseja concorrer ao pleito, é responsabilidade do partido político auxiliar no que for necessário na condução das ações de campanha ou formalizar a desistência das candidaturas, a fim de substituí–las por quem efetivamente almeje concorrer, providência não tomada na hipótese dos autos. Merece reprimenda as condutas dolosas das organizações partidárias que, de forma livre e consciente, incluem, em suas fileiras de candidatos, mulheres sem interesse em concorrer ao pleito eleitoral, com a finalidade única de atender, formalmente, à exigência legal do percentual de gênero. O reconhecimento da fraude implica desconstituição da decisão anterior que deferiu o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), com a consequente cassação dos diplomas de todos os que participaram da fraude ou dela se beneficiaram, de forma direta ou indireta. Nesse sentido, entendimento do TSE.
8. Diversamente do que se verifica em relação à incidência da sanção de cassação de diplomas/registros da totalidade das candidaturas que formam a chapa proporcional (candidatos eleitos, suplentes e candidatos não eleitos de ambos os sexos), que decorre automaticamente do reconhecimento da ocorrência de fraude à cota de gênero, a inelegibilidade derivada da procedência de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral é de natureza personalíssima, incidente apenas em relação a quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Na hipótese, a inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou deve se restringir aos candidatos à vereança que, agindo em conluio, registraram candidatura fictícia perante a Justiça Eleitoral, assim como em relação ao candidato ao cargo de prefeito. Demonstrada a responsabilidade subjetiva do presidente da legenda no município por ter participado ou, pelo menos, consentido com a prática da ilicitude. Comprovado que tratou diretamente com a candidata, via WhatsApp, sobre as questões alusivas ao encaminhamento do registro da candidatura desta. Incidência na inelegibilidade cominada na legislação de regência.
9. Manutenção da sentença que reconheceu a prática da fraude à cota de gênero. Declarados nulos os votos conferidos às candidatas e aos candidatos que disputaram as eleições proporcionais pelo partido. Determinada a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário. Correção de ofício de error in judicando da sentença para fazer constar prazo de inelegibilidade de 8 anos a contar das eleições de 2020. Inocorrência de reformatio in pejus. Negado provimento ao recurso de candidato a cargo majoritário. Parcial provimento do apelo remanescente para afastar a sanção de inelegibilidade dos demais recorrentes.
* RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CANDIDATOS ELEITOS. SERVIDOR PÚBLICO. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINAR DE ILICITUDE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS. VÁLIDA A DECISÃO QUE DEFERIU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRELIMINARES DE NULIDADE DA EXTRAÇÃO DE DADOS DOS APARELHOS CELULARES, DE SUSPEIÇÃO IRREGULAR DAS TESTEMUNHAS, DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E DE AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. REJEIÇÃO. MÉRITO. PRÁTICA GENERALIZADA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CADERNO PROBATÓRIO EXAUSTIVA E CRITERIOSAMENTE ANALISADO. DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BÁSICAS. AÇÃO PLANEJADA E REITERADA. FLAGRANTE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PATRIMONIAIS PÚBLICOS. ABUSO DE PODER POLÍTICO. USO INDEVIDO DO CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. CONDUTA GRAVOSA. COMPROVAÇÃO DO USO DE VALORES PARTICULARES (CAIXA 2) PARA OFERECIMENTO DE VANTAGENS. CONJUNTO PROBATÓRIO INÁBIL PARA DEMONSTRAR A PARTICIPAÇÃO OU ANUÊNCIA DO CANDIDATO A PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. MULTA. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. NOVAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS NO MUNICÍPIO. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO PREFEITO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS REMANESCENTES.
1. Insurgências contra sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) cumulada com Representação por Captação Ilícita de Sufrágio, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral contra candidatos eleitos aos cargos de prefeito, vice–prefeito e vereador, nas eleições de 2020, bem como de servidor público à época dos fatos.
2. Preliminar de ilicitude das gravações ambientais. 2.1. Esta Corte tem reconhecido a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, para as eleições de 2020. Matéria controvertida e pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, O Tribunal Superior Eleitoral tem mantido posição pela ilicitude de tais gravações. Assim, por razões de segurança jurídica e alinhamento ao decidido pela instância superior, altera–se, por prudência, o entendimento desta Corte para considerar ilícitas as gravações clandestinas contidas nos arquivos presentes nos autos. 2.2. A qualidade de cada prova merece tratamento diverso. Assim, válida a decisão que deferiu a interceptação telefônica e, por consequência, as provas dela decorrentes. Os arquivos de WhatsApp não se equiparam à captação clandestina, pois foram produzidos e enviados pelo próprio recorrente, obviamente com pleno conhecimento de sua própria fala que estava sendo gravada por ele mesmo. O pedido de interceptação telefônica fundamentou–se em vários outros elementos de prova, que de forma autônoma e independente seriam suficientes ao deferimento da medida. Indícios de cometimento do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral e deferimento da interceptação telefônica, prova não contaminada pela ilicitude das gravações clandestinas. Limites à aplicação da ilicitude por derivação. Existência da exceção da fonte independente, de cujo fundamento se extrai que, havendo concretamente duas origens – uma lícita e outra ilícita –, ainda que suprimida a fonte ilegal, as provas trazidas ao processo pela fonte lícita subsistem, podendo ser validamente utilizadas para todos os fins.
3. Rejeitadas as demais preliminares. 3.1. Nulidade da extração de dados dos aparelhos celulares. As informações extraídas dos aparelhos celulares, mediante autorização judicial, decorreram de perícia técnica realizada por órgão especializado, e não por simples “espelhamento” do aparelho como defendem os recorrentes. 3.2. Cerceamento de defesa pela decretação de suspeição de testemunhas. Nos termos do art. 371 do CPC, cabe ao Juiz avaliar todos os elementos de convicção coligidos aos autos e atribuir a eles maior ou menor eficácia probatória, explicitando os motivos que o levaram à conclusão adotada. Nada obsta que, diante do acervo probatório produzido, o julgador, na valoração da prova realizada na sentença, considere, de ofício, a suspeição da testemunha, desde que o faça motivadamente. 3.3. Negativa de prestação jurisdicional. A sentença avaliou e cotejou todo o conjunto probatório de acordo com o valor probatório atribuído a cada elemento, consignando suas conclusões de forma fundamentada. 3.4. Ausência de individualização das condutas de cada demandado. As condutas individualizadas constaram adequadamente descritas na peça inicial e na sentença, não havendo vícios a macularem o processo. As preliminares aduzidas envolvem, em realidade, a avaliação da prova e da conduta pessoal de cada agente, questões a serem resolvidas no exame de mérito da demanda.
4. Caderno probatório exaustiva e criteriosamente analisado. Comprovada a prática generalizada de captação ilícita de sufrágio, por meio de fornecimento de apoio material para transporte, cestas básicas e outras benesses a diversos eleitores do município. Utilizada a posição de presidente do Conselho Municipal de Assistência Social para a distribuição indiscriminada de cestas básicas com finalidade eleitoral, com o conhecimento e em benefício do candidato a vereador e a vice–prefeito, todos bem cientes do caráter ilícito do esquema arquitetado. No contexto dos autos, as interceptações telefônicas são, intrinsecamente, prova robusta e vigorosa de abusos de poder político e econômico, pois se observa os demandados trocando ideias livremente sobre um sistemático e amplo processo de desvio das cestas básicas da Assistência Social com objetivos eleitorais. Ação planejada e reiterada, que atingiu um razoável número de eleitores, valendo–se das posições públicas exercidas para influenciar a aplicação de recursos da Assistência Social com viés eleitoral, tendo os seus autores plena ciência do caráter ilícito dos fatos. Trata–se de flagrante entrelaçamento do abuso de poder econômico, marcado pela utilização de recursos patrimoniais públicos, sob poder ou gestão dos candidatos, para proveito eleitoral (TSE – REspe: 191868/TO, Relator: Min. Gilson Lagaro Dipp, DJE de 22.08.2011), com o abuso de poder político, em que os candidatos usam indevidamente o cargo ou função pública com a finalidade de influenciar o pleito de modo ilícito, por meio do aparato público (TSE – RO: 288787/RO, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 13.02.2017). Efeito multiplicador da distribuição de tais benesses, que alcançam toda a família dos eleitores carentes e pessoas próximas, gerando relevante repercussão e benefício eleitoral ao mandatário candidato à reeleição, com gravidade para comprometer a legitimidade do pleito. Sob a perspectiva da gravidade da conduta, a distribuição de benefícios assistenciais à margem do procedimento e da finalidade legais, no período eleitoral, em valores consideravelmente superiores aos manejados em meses anteriores, a partir de programa social de grande e inequívoca repercussão, em atos praticados no seio da máquina estatal, configura fato grave que compromete o equilíbrio e a normalidade da escolha popular, a ensejar a aplicação das sanções insculpidas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.
5. Inexistência de elementos mínimos a comprovar a participação efetiva ou anuência do candidato a prefeito nos fatos relacionados à distribuição de cestas básicas com fins eleitorais, pois pontuais referências são meramente retóricas e não se atrelam de forma concreta ao contexto fático em discussão. Participação que não pode ser simplesmente presumida ou suposta a partir da ligação entre os recorrentes ou pelo benefício alcançado para as candidaturas, sob pena de chancelar–se a responsabilização objetiva, que não se coaduna com a legislação eleitoral. Dessa forma, a sentença merece reforma no ponto em que o condenou à inelegibilidade por abuso de poder político, visto que, na linha da remansosa jurisprudência, “a sanção de inelegibilidade exige prova da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, através de uma conduta comissiva ou omissiva, ao passo que para a aplicação da pena de cassação do registro ou de diploma basta a mera condição de beneficiário do ato de abuso, sem necessidade da prova do elemento subjetivo” (TRE–RS – RE: 19847/RS, Relator: Des. Eleitoral Jorge Alberto Zugno, DEJERS de 18.04.2013).
6. A configuração do abuso de poder econômico não se delimita a uma constatação meramente aritmética sobre aportes financeiros, importando aferir também a finalidade da norma, porquanto “a vedação ao uso abusivo do poder econômico, prevista no art. 22 da LC n. 64/90, visa a tutelar a igualdade de oportunidades entre os candidatos e o livre exercício do direito de sufrágio a fim de salvaguardar a normalidade e a legitimidade das eleições e, a despeito da inexistência de parâmetros objetivos, a aferição da gravidade é balizada pela vulneração dos bens jurídicos tutelados pela norma, em face das circunstâncias do caso concreto suscetível a adelgaçar a igualdade de chances na disputa eleitoral” (AgR–REspe n. 452–83, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7.2.2020, e AgR–REspe n. 419–16/RO, j. 19.5.2020, rel. Min. Sérgio Banhos, DJe 19.6.2020). Na hipótese, comprovado o uso de valores particulares (“caixa 2”) para oferecer vantagens a diversos eleitores e instrumentalizar a compra de votos, com reiteração de condutas bastante graves e aptas a afetar a normalidade e legitimidade do pleito. Condutas que integravam um conjunto contumaz, sistematizado e conjugado de ações ilícitas visando a captação de sufrágio por meio da doação de combustíveis e da intermediação de serviços de retroescavadeiras, utilizando, para esses últimos, de ações, configurando a prática de abuso de poder econômico.
7. Parcial provimento ao recurso interposto pelo prefeito e desprovimento aos demais. Cassação dos diplomas. Inelegibilidade. Multa. Recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, considerando nulos para todos os efeitos os votos atribuídos ao vereador. Novas eleições majoritárias no município.
* Efeito suspensivo - Despacho do Presidente do TRE em 19/12/2022.
RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. JULGAMENTO CONJUNTO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO E DE PODER POLÍTICO. CANDIDATO REELEITO VEREADOR. CONCORRENTES NÃO ELEITOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DE AMBAS AS DEMANDAS. CASSAÇÃO DO DIPLOMA E DOS REGISTROS DE CANDIDATURA. IMPOSIÇÃO DE MULTA INDIVIDUAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. ALEGADA ILICITUDE DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM VÍDEO. POSSIBILIDADE DESTE MEIO DE PROVA. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. AUSÊNCIA DE SUPOSTO FLAGRANTE PREPARADO. REJEITADA A MATÉRIA PRELIMINAR. COMPROVADA A PRÁTICA DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI N. 9.504/97. NÃO CONFIGURADO O ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONDUTA DELITUOSA SEM POTENCIALIDADE LESIVA SUFICIENTE PARA AFETAR A LEGITIMIDADE DAS ELEIÇÕES. PROVIMENTO DO RECURSO CONTRA PROCEDÊNCIA DA AIJE, PARA JULGÁ–LA IMPROCEDENTE. DESPROVIMENTO DOS APELOS CONTRA A PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. MANTIDAS AS SANÇÕES DE CASSAÇÃO DO DIPLOMA DO REPRESENTADO VEREADOR E A DECLARAÇÃO DA NULIDADE DOS VOTOS POR ELE OBTIDOS. CASSAÇÃO DOS REGISTROS DE CANDIDATURA DOS ASPIRANTES A PREFEITO E VICE. IMPOSIÇÃO DE MULTA, APLICADA DE FORMA INDIVIDUAL PARA CADA CANDIDATO. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA VERSADA.
1. Julgamento conjunto dos recursos interpostos por candidato reeleito ao cargo de vereador e por candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice–prefeito contra sentenças de procedência de representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41–A da Lei n. 9.504/97) e de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE por abuso de poder político e de poder econômico (art. 14, § 9º, da CF e art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90). Condenação às sanções de cassação do diploma do vereador, declarando nulos os votos por ele obtidos, cassação dos registros de candidatura dos aspirantes a prefeito e vice, bem como ao pagamento de multa, de forma individual, aos representados, declarando a sua inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2020.
2. Preliminar de nulidade da sentença. Alegada ilicitude da prova consistente em gravação ambiental em vídeo, efetuada em telefone celular pela própria eleitora, por ocasião do comparecimento da apoiadora de campanha dos representados em seu local de trabalho – estabelecimento comercial aberto ao público, no momento em que foi ofertada ou prometida vantagem com o fim específico de obter–lhe o voto. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de admitir a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais e sem chancela judicial, como meio válido de prova, seja em espaço público ou particular. Inexistência do alegado flagrante preparado, vedado pela Súmula n. 145 do STF. Comparecimento espontâneo do cabo eleitoral dos candidatos ao endereço laboral da eleitora, sem que fosse provocado ou induzido, com a finalidade premeditada de oferecer e conceder vantagens em troca do seu voto, limitando–se a eleitora a registrar o desenrolar dessa ação em seu aparelho celular. Afastada a preliminar de nulidade aventada.
3. Comprovada a prática de captação ilícita de votos. Além do registro em vídeo do momento da prática ilegal, embasam a prova a ocorrência policial, a ata notarial, e os diálogos extraídos dos telefones celulares da eleitora e da apoiadora de campanha dos representados, responsável pela intermediação das negociações e entrega das vantagens prometidas em troca dos votos da eleitora e de seus familiares. Por meio das conversações transcritas, restou demonstrada a iniciativa dos candidatos em contatar a eleitora, delegando à sua apoiadora de campanha e cabo eleitoral a condução das tratativas sobre os benefícios a serem concedidos em troca do voto, conduta que se amolda à prática de captação ilícita de sufrágio. Manifesta a anuência dos representados com os atos da apoiadora, sendo inverossímil a tese de desconhecimento. Caracterizada a prática da captação ilícita de sufrágio, na forma do art. 41–A da Lei n. 9.504/97.
4. Ausente a configuração de abuso de poder econômico e de poder político. A demonstração da ocorrência de captação ilícita de sufrágio em relação a uma única eleitora, ainda que tenham sido mencionados seus familiares e que se trate de pequeno município, com reduzido número de eleitores, não encerra suficiente potencialidade lesiva para interferir na legitimidade do pleito, bem jurídico tutelado pela ação de investigação judicial eleitoral e assegurado pelo § 9º do art. 14 da Constituição Federal.
5. Provimento do recurso interposto em face da sentença de procedência da ação judicial eleitoral – AIJE. Desprovidos os apelos contra a decisão de procedência da representação por captação ilícita de sufrágio, mantendo–se a condenação às sanções de cassação do diploma expedido ao vereador eleito, declarando nulos os votos por ele obtidos, cassação dos registros de candidatura dos concorrentes a prefeito e vice–prefeito, e pagamento de multa, fixada de forma individual aos representados.
6. Prequestionada a matéria invocada nos autos. Determinação de que seja realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o teor do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - AIME. PROCEDENTE. VEREADOR ELEITO. PRELIMINARES AFASTADAS. ILICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. INTEMPESTIVIDADE DO ROL DE TESTEMUNHAS. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILICITUDE DE PROVA. MÉRITO. DOAÇÃO DE REFEIÇÕES EM ANO ELEITORAL. PROMESSA DE MANUTENÇÃO DE EMPREGO EM TROCA DE APOIO ELEITORAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUANTO AO SEGUNDO FATO. MANTIDA A CASSAÇÃO DO DIPLOMA. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou procedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME para cassar o mandato de ocupante do cargo de vereador, reconhecendo os ilícitos de doação de alimentos e promessa de manutenção de emprego em troca de votos.
2. Matéria preliminar afastada. 2.1. Ilicitude da gravação ambiental e intempestividade do rol de testemunhas. Não se declara a nulidade de ato processual sem a demonstração de efetivo prejuízo, na forma prescrita pelo art. 219 do Código Eleitoral. Manifesta inovação, na peça recursal, de matérias que, independentemente de sua natureza jurídica (pública ou privada), restam preclusas, nos termos da reiterada jurisprudência do TSE. 2.2.Impossibilidade jurídica do pedido pelo descabimento da AIME. As condutas que podem caracterizar a procedência de uma AIME não são taxativas, constituindo atos ilícitos que extrapolam o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio, rompendo com a normalidade e legitimidade do pleito. No caso dos autos, a AIME restou ajuizada no prazo decadencial de 15 dias da diplomação, descrevendo condutas que, em tese, atingem o bem jurídico tutelado no § 9º do art. 14 da CF, a configurar abuso de poder político, abuso de poder econômico e corrupção, em que o réu teria promovido, participado ou tirado proveito pessoal. Ademais, quanto à capitulação legal, a Súmula 62 do TSE é expressa no sentido de que os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor. Quanto à incidência do art. 44, § 1º, da Resolução TSE n. 23.608/19 (intimação das partes quando os fatos narrados não correspondem à capitulação legal exposta na inicial), cuida-se de faculdade do magistrado. Afastada a alegação de nulidade da sentença. 2.3. Ilicitude das provas juntadas pelo autor, em razão da não comprovação de sua autenticidade por meio de ata notarial ou perícia. Provas juntadas e submetidas ao contraditório, sem qualquer contestação nas regulares oportunidades processuais. Inexistência de controvérsia sobre a autenticidade das imagens, sendo aplicável à espécie o disposto no art. 374, inc. III, do CPC.
3. Matéria fática. 3.1. Doação de refeições em ano eleitoral, por meio de assessoria e uso de aparelho celular funcional para a prática abusiva. Incontroversa a existência do fato. O TSE entende que o abuso de poder econômico “se caracteriza pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho” (TSE. AI 0000685-43.2016.6.14.0003; Relator: Min. Edson Fachin; julgado em 04.03.2021; DJE de 19.03.2021). A distância do acontecimento do fato em relação ao pleito e a ausência de renovação das condutas com a aproximação do período eleitoral mitigam a potencialidade necessária para afetar a lisura das eleições e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Inexistente comprovação mínima de que os agentes públicos estavam realizando as atividades contra as suas vontades ou em horário de trabalho. Apesar de a conduta assemelhar-se à tipificada no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, com ela não se confunde, pois não há demonstração de que as refeições tenham sido custeadas pelo poder público. Provido o recurso no ponto. 3.2. Promessa de manutenção de emprego em troca de apoio eleitoral. Contratação emergencial de empresa de vigilância para a prestação de serviços de segurança na Câmara de Vereadores. Incontroverso o ato de corrupção eleitoral em sentido lato ao oferecer/prometer permanência no emprego em troca de votos, caso fosse eleito. O recorrente, valendo-se de sua condição de Presidente da Câmara, condicionou a manutenção do contrato com a empresa de vigilância e seus trabalhadores ao apoio à sua candidatura. Este Tribunal tem mantido o entendimento, assentado na jurisprudência, no sentido da validade probatória da gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais. Manutenção da sentença quanto ao segundo fato.
4. Determinada a cassação do diploma, restando nulos para todos os fins os votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.
5. Parcial provimento.
RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PARCIALMENTE PROCEDENTE. DESTAQUE. PRELIMINAR. NULIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. REJEITADA. MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. MANTIDA A CONDENAÇÃO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.
1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, declarou a prática de captação ilícita de sufrágio, cassou o diploma de vereador do representado e declarou a nulidade de seus votos, mantendo-os íntegros para a legenda.
2. Rejeitada a preliminar de nulidade do conjunto probatório. Mérito. Restou incontroverso nos autos que, durante a abordagem feita pela Polícia Militar, foram encontrados no interior do veículo dinheiro em espécie, bloco de notas com anotações ¿ escritas de próprio punho pelo candidato demandado ¿ e santinhos. A planilha carreada ao feito demonstra de forma inequívoca que se cuida de registro físico de pagamento a eleitores em troca do voto. Inexiste nos autos explicação do motivo pelo qual tenham sido elaboradas as colunas pertinentes aos valores prometidos, antes e depois do pleito, constituindo prova cabal da conduta direta e pessoal de compra de votos pelo candidato recorrente. Multa aplicada adequada em relação às balizas estipuladas no art. 109 da Resolução TSE n. 23.610/19, pois a prática envolveu extenso rol de eleitores, conspurcando a higidez de parcela do pleito proporcional, de modo que a sanção não se revela desproporcional.
3. Inexistência de ofensa ao princípio da anterioridade. A Resolução TSE n. 23.611/19, ao estabelecer, em seu art. 198, a anulação para todos os efeitos dos votos dados a candidato cujo registro venha a ser cassado após a eleição, em ação autônoma, prestigiou as regras plasmadas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, em detrimento do art. 175, §§ 3º e 4º, do mesmo Estatuto. Logo, o art. 198 da Resolução em testilha tem por fundamento dispositivos do próprio Código Eleitoral interpretados de forma sistemática pela Corte Superior, não se tratando de norma independente e autônoma. Tal entendimento já vinha sendo aplicado às eleições de 2018 pelo Tribunal Superior Eleitoral. Dessa forma, declarados nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao candidato, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.
4. Litigância de má-fé por alteração da verdade dos fatos não acolhida. No caso, houve típico exercício do direto de defesa e do contraditório, não havendo no comportamento dos recorrentes elementos indicativos do dolo processual de alteração da verdade dos fatos a justificarem a imposição de sancionamento.
5. Mantida a sentença na íntegra. Multa. Cassação do diploma de vereador. Desprovimento dos recursos.
RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. ADMISSIBILIDADE RECURSAL. TRANSCORRIDO IN ALBIS O PRAZO PARA CONSTITUIÇÃO DE NOVO PROCURADOR. RECURSO NÃO CONHECIDO. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE NOS DEMAIS RECURSOS. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO COMO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. NÃO CARACTERIZADA A REFORMATIO IN PEJUS. EXPOSIÇÃO DA IMAGEM DO CANDIDATO DURANTE AS ENTREGAS DE BRINDES. REALIZAÇÃO DE CAMPANHA ELEITORAL EM LIVES COM FINALIDADE COMERCIAL. OFENSA À LEGITIMIDADE DO PLEITO. ILEGITIMIDADE DOS VOTOS AUFERIDOS. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NA INTERNET. EXPOSIÇÃO DESPROPORCIONAL DO CANDIDATO EM DETRIMENTO DOS DEMAIS. EXTRAPOLAÇÃO DO SIMPLES EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. COMPROVADA GRAVIDADE APTA A DESEQUILIBRAR A DISPUTA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. CASSAÇÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PREQUESTIONADA TODA A MATÉRIA INVOCADA NOS AUTOS. DECLARADOS NULOS OS VOTOS ATRIBUÍDOS AO CANDIDATO. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL AOS APELOS CONHECIDOS.
1. Insurgências contra sentença que deu parcial provimento à representação eleitoral para reconhecer a configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) e uso indevido dos meios de comunicação social (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90). Determinada a cassação do registro de candidatura de um dos recorrentes, além da condenação ao pagamento de multa e declaração de inelegibilidade, pelo prazo de oito anos subsequentes às eleições de 2020, de dois recorrentes.
2. Admissibilidade recursal. Após a interposição do recurso, um dos recorrentes restou sem representação por advogado nos autos em razão da renúncia de sua procuradora. Entretanto, perfectibilizada a intimação para regularização da representação processual, tendo em vista que foi dirigida ao endereço constante dos autos. Uma vez que não houve comunicação de mudança de endereço, o curso do prazo concedido iniciou-se a partir da juntada do comprovante de tentativa de entrega, nos termos do art. 274, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Não conhecido o recurso do interessado, uma vez que transcorrido in albis o prazo para constituição de novo procurador (art. 76, § 2º, inc. I, do Código de Processo Civil). Conhecidos os demais recursos por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
3. Afastada a preliminar de nulidade da sentença. Alegado cerceamento de defesa por não terem sido admitidas no processo as declarações escritas firmadas por apoiadores das lives, as quais reportariam informações essenciais sobre os acontecimentos que ensejaram a condenação. No entanto, as referidas declarações foram juntadas aos autos após o expresso encerramento da instrução, quando já em curso o prazo para oferecimento de razões finais, o que subverte o andamento processual e prejudica a celeridade demandada nas ações da espécie. Inexistência de mácula na conduta adotada pelo juízo a quo.
4. Reenquadramento jurídico dos fatos em grau recursal, independentemente de requerimento das partes. Não caracterizada a reformatio in pejus por falta de recurso do autor da ação contra a improcedência do pedido no que se refere à prática de abuso de poder econômico, pois a adequação da conduta à norma legal pode ser realizada de ofício tanto pela sentença quanto em segundo grau, uma vez que a conduta foi inadequadamente considerada como captação ilícita de sufrágio. Ademais, a petição inicial alega que os fatos impugnados caracterizam também hipótese de abuso de poder econômico, tendo os recorrentes, ao longo da ação, apresentado defesa ao enquadramento dos fatos nesse sentido. Atendido o contraditório e a ampla defesa. O Código de Processo Civil, aplicável de forma subsidiária e supletiva à matéria eleitoral, acolheu a teoria da substanciação da causa de pedir. Ao autor compete narrar os fatos na inicial e sobre eles a parte oferece defesa, o que não afasta a possibilidade de ser realizado um novo enquadramento jurídico do fato, caso necessário. Caracterizado, na hipótese, o abuso de poder econômico ainda que os brindes tenham sido entregues sem recursos do próprio candidato e sem o condicionamento ao voto. Impossível a desvinculação dos presentes das pessoas dos apresentadores, entre eles o candidato, o qual, ao menos de forma indireta, auferiu proveito eleitoral com a exposição de sua imagem durante as entregas de benefícios subsidiada pelo poder econômico, nas lives e na página da internet. Manifesto prejuízo à isonomia entre os candidatos pelo desequilíbrio da conduta com outros atos legítimos de divulgação da candidatura, sem envolvimento de bens e vantagens financeiras. Demonstrada a ofensa à legitimidade do pleito e, por consequência, a ilegitimidade dos votos auferidos.
5. Abuso mediante o uso indevido dos meios de comunicação social na internet. A ostensiva divulgação de candidatura, combinado com o sorteio de brindes, foi suficiente para causar um desequilíbrio no pleito. Configurada exposição desproporcional do candidato em detrimento dos demais, requisito necessário para a conformação do ilícito. O uso de meio de comunicação social para ostensivas demonstrações de apoio ao candidato e exposição de sua imagem caracteriza prática abusiva reprimida pelo art. 22 da LC n. 64/90. Configurada a realização de campanha eleitoral com finalidade comercial, hipótese que desborda das permissões legais e extrapola o simples exercício da liberdade de expressão. Manutenção da sentença quanto às sanções de cassação do registro de candidatura e declaração de inelegibilidade de dois recorrentes, pelo prazo de 08 anos subsequentes às eleições de 2020 (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90), por uso indevido dos meios de comunicação social.
6. Afastadas as penalidades de cassação do registro de candidatura e multa individual por prática de captação ilícita de sufrágio. Reenquadramento como abuso de poder econômico (art. 22 da LC n. 64/90), a fim de fixar a sanção de cassação do diploma e declaração de inelegibilidade de dois recorrentes, pelo prazo de 08 anos subsequentes às eleições de 2020 (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90). Manutenção da sentença com relação às sanções aplicadas por uso indevido dos meios de comunicação social.
7. Prequestionada toda a matéria invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal. Declarados nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao candidato, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.
8. Provimento parcial.
RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. MULTAS. PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA ANALISADA COM O MÉRITO. CONFIGURADAS CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE A CARACTERIZAR OS ILÍCITOS. COMPROVADA A ENTREGA DE BENESSES EM TROCA DE VOTOS POR SERVIDOR PÚBLICO EM ÓRGÃO MUNICIPAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.
1. Insurgência em face de sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE. Condenação à cassação do diploma de suplente, inelegibilidade por 8 anos subsequentes à eleição de 2020 e aplicação de multas, com base nos arts. 41-A e 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, ao entender caracterizada a captação ilícita de sufrágio e a prática de conduta vedada.
2. A suscitada preliminar de nulidade confunde-se com o mérito do recurso e nele será examinada.
3. Inequívoca a conduta irregular do recorrente, que promoveu verdadeiro palanque eleitoral, por meio da entrega de benesses a eleitores em situação de extrema pobreza, em troca de votos. Além da distribuição generalizada de cestas básicas por intermédio de servidora pública, a prova demonstra que o candidato, direta e pessoalmente, negociava a concessão de outras benesses (cargas de terra, poste de luz, medicamentos, promessa de entrega de material de construção, pagamento de conta de luz, gasolina, gás) para angariar dividendos eleitorais.
4. Configuradas a captação ilícita de sufrágio e a prática de conduta vedada. Acervo probatório suficiente a demonstrar a ocorrência dos ilícitos. Improcedência da alegação recursal, no sentido de não considerar como compra de voto o encaminhamento de eleitores aos entes públicos, visto a conduta não ter alterado o desfecho do pleito no qual logrou apenas a suplência. A caracterização dos ilícitos independe do resultado da eleição, importando para sua configuração a violação ao bem jurídico protegido, vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade do pleito, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado da contenda eleitoral seria diferente. Manutenção da sentença de procedência da ação.
5. Desprovimento.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA E AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. SUPLENTE. VEREADOR. ENCAMINHAMENTO DE ELEITORES PARA ENTREGA DE CESTAS BÁSICAS. INTERMEDIAÇÃO JUNTO À SECRETARIA MUNICIPAL. PERÍODO ELEITORAL. MALFERIMENTO DA ISONOMIA DO PLEITO. GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. COMPROVADA. ART. 22, INC. XVI, DA LC N. 64/90. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INC. IV, DA LEI DAS ELEIÇÕES. PROMOÇÃO PESSOAL. SANCIONAMENTO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. MEDIDAS ADEQUADAS. NULIDADE DOS VOTOS DO RECORRENTE. RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. ART. 198, INC. II, AL. "B", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.611/19. PREQUESTIONAMENTO. CUMPRIMENTO E REGISTRO DAS SANÇÕES. COMUNICAÇÃO À ZONA ELEITORAL. DESPROVIMENTO.
1. Irresignação de vereador classificado como suplente nas eleições de 2020 contra sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE por prática de abuso poder político e econômico e por condutas vedadas, para cassar seu diploma, declarar a inelegibilidade e aplicar-lhe multa em razão de conduta vedada.
2. Comprovada a atuação do candidato no encaminhamento de eleitores a funcionária com quem tinha proximidade, responsável pelo fornecimento de cestas básicas no órgão municipal competente. Flagrante o conteúdo econômico do benefício e o consequente prejuízo à isonomia no pleito, diante da vantagem obtida pelo recorrente frente aos demais concorrentes.
3. O inc. XVI do art. 22 da LC n. 64/90 estabelece que, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, sendo, portanto, irrelevante que o candidato não tenha logrado eleição, uma vez que foi diplomado como suplente.
4. O caderno probatório é robusto, concreto e invencível quanto à gravidade da conduta diante da legitimidade da votação do recorrente, pois o seu proceder envolvia a entrega de alimentos a pessoas carentes, sendo inegável que o seu contato com a servidora municipal foi utilizado como capital político perante os eleitores. Demonstrada a finalidade eleitoreira da ação, perpetrada em datas muito próximas ao pleito, durante o período de campanha.
5. Perfectibilizada a conduta vedada descrita no inc. IV do art. 73 da Lei das Eleições, pois houve promoção pessoal do candidato, valendo-se da distribuição gratuita de cestas básicas. Razoável e proporcional a multa fixada no dobro do mínimo legal, em virtude da quantidade de pessoas agraciadas.
6. Manifesta a prática das infrações, a cassação do diploma e a declaração da inelegibilidade são medidas impositivas. Nulidade dos votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.
7. Desprovimento do recurso.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. VEREADOR ELEITO. PRÁTICA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. AFASTADA PRELIMINAR DE ILEGALIDADE DE GRAVAÇÃO AMBIENTAL. NÃO EVIDENCIADO FLAGRANTE PREPARADO. AUSÊNCIA DE INDUÇÃO OU PROVOCAÇÃO À PRÁTICA DO ATO ILÍCITO. CARACTERIZADA NEGOCIAÇÃO DE VOTOS EM TROCA DE DINHEIRO. ENTREGA DE DINHEIRO DO CANDIDATO A ELEITOR. PROMESSA DE VANTAGEM. GRAVAÇÃO DE ÁUDIOS. MENSAGENS DE TEXTO. WHATSAPP. DOAÇÃO DE CHURRASCO. ELEITORES DETERMINADOS OU DETERMINÁVEIS. MANTIDA A CONDENAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA. PREQUESTIONADA MATÉRIA INVOCADA NOS AUTOS. DETERMINAÇÃO DE RECÁLCULO DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL.
1. Insurgência contra sentença que julgou procedente representação contra vereador eleito, por prática de captação ilícita de sufrágio. Determinada a cassação de diploma e condenação à multa, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
2. Afastada a preliminar de ilegalidade de gravação ambiental. Gravação de diálogo entre eleitora e o recorrente, sem o conhecimento deste. Diante da introdução do art. 8º-A da Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova. Assim, é lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, não entender de forma contrária à jurisprudência historicamente preponderante no Tribunal Superior Eleitoral. Nesse sentido, jurisprudência deste Tribunal.
3. Caracterizada a negociação de votos em troca de dinheiro. Existência de imagens expondo a entrega de cédulas que corroboram a versão da eleitora e demonstram o objetivo do candidato de obter o voto mediante troca por dinheiro, além de conjunto probante significativo, integrado por aparelho celular, agenda e anotações do candidato com listas de nomes, contatos telefônicos e apontamentos indicando o controle dos votos angariados. Reconhecida a prática de captação ilícita de sufrágio relativamente à eleitora.
4. Ainda que realizada por motivos periféricos à seara eleitoral, a gravação ambiental não evidencia a hipótese de flagrante preparado, pois, para tal configuração, a doutrina e a jurisprudência exigem que ocorra indução ou provocação à prática do ato ilícito, ausente na espécie.
5. Entrega de dinheiro pelo candidato a eleitor com o fim de obter-lhe o voto. Improcedente a alegação de que a relação entre ambos era de caráter negocial, envolvendo transferência de um veículo e serviços de polimento. A sequência de conversas registradas em aparelho celular demonstra conteúdo nitidamente voltado à negociação de voto, às vésperas das eleições, circunstância corroborada com a gravação de áudios cujos diálogos referem a compra do voto e sugerem o desfazimento compra ilegal. Incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.
6. Existência de áudio extraído do aplicativo de mensagens WhatsApp demonstrando negociação de compra de votos, bem como mensagens de texto que denotam entrega de dinheiro em troca de voto. Caracterizada a negociação de voto de eleitora identificada, ainda que intermediada pelo esposo.
7. Evidenciada doação de churrasco a funcionários de marmoraria e entrega de dinheiro a eleitor. O conteúdo existente em celular apreendido vincula as benesses oferecidas tanto ao voto do eleitor quanto à escolha de candidato por parte do grupo de funcionários. As circunstâncias revelam a prática de compra de votos como expediente familiar à campanha do recorrente. Caracterizada a prática da conduta descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 em relação ao eleitor e ao grupo de funcionários, uma vez que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se posiciona no sentido de que os eleitores devem ser determinados ou determináveis.
8. Reconhecido o cometimento de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) relativamente a votos com entrega de dinheiro, fornecimento de churrasco, além de promessa de vantagem. Redução da pena pecuniária. Mantidas a condenação e a cassação do diploma. Prequestionada toda a matéria invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal. Disponibilidade dos autos e possibilidade de compartilhamento das peças que os integram, para o fim de instrução de procedimentos investigativos ou processos judiciais. Declarados nulos os votos atribuídos ao recorrente. Determinação de recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do art. 198, inc. II, al. b, da Resolução TSE n. 23.611/19, c/c os arts. 222 e 257, § 2º, ambos do Código Eleitoral.
9. Provimento parcial.
RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - AIME. COTA DE GÊNERO. LEIS N. 9.504/97 E N. 12.034/09. CANDIDATURA FEMININA FICTA. JULGAMENTO PARADIGMÁTICO DO TSE. ESTABELECIMENTO DE PAR METROS. ZERO VOTO. INEXISTÊNCIA DE GASTOS ELEITORAIS. AUSÊNCIA DE PROPAGANDA. APOIO A OUTRO CANDIDATO QUE DISPUTA O MESMO CARGO. CONJUNTO DE PROVAS ROBUSTAS. CANDIDATA INERTE DURANTE DISPUTA ELEITORAL. FRAUDE CONFIGURADA. NULIDADE DOS VOTOS. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS EXPEDIDOS. RECONTAGEM DO QUOCIENTE ELEITORAL E PARTIDÁRIO. PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Recurso contra sentença que julgou improcedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME, por considerar não haver provas suficientes de que a candidatura do gênero feminino tenha sido ficta (art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97), com relação ao cargo de vereador, nas eleições 2020.
2. Por meio de imposição legal, buscou-se ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. Assim, o § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido político preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. Porém, foi somente a partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 minirreforma eleitoral que essa disposição passa a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas ¿efetivamente¿ requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país.
3. O TSE, em 2019, apreciou caso paradigmático sobre o tema, no qual foram definidos alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto), nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.
4. Conjunto probatório contundente a indicar a ocorrência da candidatura ficta, pois aos elementos indiciários (votação zerada e inexistência de atos de campanha) somam-se circunstâncias qualificadoras do cenário da fraude (apoio deliberado a outro candidato ao mesmo cargo), formando um acervo robusto de provas a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição.
5. Havendo prova suficiente de candidatura feminina fraudulenta no DRAP do partido, é possível afirmar, como consequência, que foi o registro da candidatura feminina que permitiu à agremiação concorrer ao pleito com os seus dois candidatos do sexo masculino, sendo um eleito vereador e o outro primeiro suplente nas eleições de 2020. Reconhecida a prática fraudulenta à cota de gênero nas eleições proporcionais no município, contaminando a chapa proporcional como um todo. Nulidade dos votos conferidos às candidatas e aos candidatos da legenda partidária. Cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.610/19.
6. Provimento.