Liberdade
“Dentre as ideias de mais comum e diária aplicação, a propósito de qualquer incidente da vida individual, ou social, nenhuma se repete mais que a ideia da liberdade. Apesar disso, é raro que o critério popular a empregue com precisão e propriedade. O público, em geral, e cada um de nós, que o compomos, confundimos vulgarmente liberdade com comodidade. Indivíduo que sofre qualquer incômoda exigência do poder constituído grita logo que atentam contra sua liberdade, e não se queixa de que ela não exista enquanto o deixam em casa sossegado. Povo que atravesse quadra tranquila e próspera reputa-se gozando de um regime de liberdade, e considera-se presa de tirania o que se debate em agitações internas.
Liberdade não é, porém, comodidade, e pode existir sem ela, bem que seja preferível possuí-las ambas conjuntamente. O bom sendo do fabulista La Fontaine, repetindo outra moralista mais remoto, mostrou na situação do cão doméstico, forte e satisfeito, comparado à do lobo selvagem, faminto e vagabundo, que essa distinção, embora estranha ao comum dos espíritos, é bem antiga. O cão de guarda, marcado pelo estigma da coleira, que lhe pelará o touriço, não era livre, apesar de viver muito ao seu cômodo. Era-o, entretanto, o animal silvestre, bem que torturado pelas mil necessidades que tinha de dar provimento com seu exclusivo esforço. Quantas analogias da maior exatidão podem tirar-se desse caso para a situação das nações!”
Fonte: ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. A Democracia Representativa na República: antologia. Ed. fac-similar. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998. p.89-90