Arrecadação e Gastos Ilícitos de Campanha
Captação ilícita de recursos – Lei 9.504/97, art. 30-A – valoração da gravidade das condutas e da lesão perpetrada aos bens jurídicos tutelados pela norma
Procedência: Caseiros/RS
Recorrente: Ministério Público Eleitoral
Recorridos: Léo César Tessaro, Mário João Comparin
Relator: Gerson Fischmann
Relatora Substituta: Kalin Cogo Rodrigues
Redator do Acórdão: Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle
Sessão de 16 de dezembro de 2022.
Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra sentença que julgou improcedente representação por captação ilícita de recursos, movida em face dos candidatos eleitos para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Caseiros/RS, nas Eleições de 2020.
A ação foi lastreada na falta de declaração da origem dos recursos utilizados para a contratação de aluguel de veículo e segurança privada, irregularidade que ensejou a desaprovação das contas da chapa majoritária. Os fatos vieram a lume após abordagem policial de veículo no interior do qual foi encontrada a importância de R$ 5.000,00 em dinheiro, e cujos ocupantes declararam estar a serviço da campanha dos recorridos, sendo alguns deles encarregados da sua segurança particular. A defesa alegou que tanto os veículos quanto os seguranças não estavam a serviço da campanha, nem foram por eles custeados.
O juízo de primeiro grau considerou insuficientes os depoimentos prestados pelos policiais para demonstrar quem seria o responsável pelas contratações. O relator, analisando os fatos a partir da dicção do art. 30-A e da jurisprudência acerca da matéria, votou pelo desprovimento do recurso em razão da falta de prova robusta e incontroversa da infração, a qual, mesmo que provada, não teria relevância jurídica a justificar a cassação dos diplomas.
O Des. Luís Aurvalle abriu a divergência, entendendo como incontroversa a destinação do serviço de segurança e do aluguel do veículo para a campanha eleitoral dos recorridos, assim como a omissão dos respectivos gastos.
Considerou configurada a ilegalidade qualificada, que, no entender do Tribunal Superior Eleitoral, é imprescindível para acarretar a penalidade de cassação. O valor da omissão, apurado na prestação de contas, consistiu em quantia relevante e expressiva que atingiu 38,21% do total movimentado na campanha. Importante, também, a pequena margem de votos entre o primeiro e o segundo colocados (96 votos) no pleito de 2020, sendo que nas eleições de 2016, disputada entre os mesmos candidatos, foi de apenas 1 voto. O Desembargador mencionou diversas circunstâncias que acentuam a reprovabilidade da conduta, e acrescentou que a jurisprudência admite, para esse tipo de ilícito, a comprovação por meio da prova indiciária.
Essa tese prevaleceu no julgamento. Foi determinada a cassação dos diplomas dos recorridos, a assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal e a realização de novas eleições municipais majoritárias.
O recurso especial eleitoral interposto foi inadmitido pela Presidência do Tribunal, assim como o pedido de tutela de urgência para atribuição de efeito suspensivo.
A parte interpôs agravo ao Tribunal Superior Eleitoral, com pedido de tutela de urgência.
Tutela Cautelar Antecedente 0600102-61
Requerentes: Mário João Comparin e Léo César Tessaro
Requerido: Ministério Público Eleitoral
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Data: 27 de fevereirode 2023.
A relatora analisou o requerimento liminar de antecipação da tutela recursal, no qual se buscava a atribuição de efeito suspensivo ao agravo, de modo a afastar todos os efeitos da decisão recorrida.
Os recorrentes alegaram a violação do artigo 30-A, caput e § 2º, da Lei 9.504/97, pelas seguintes razões: a) inexistência de vinculação entre o julgamento em prestação de contas e a representação com lastro no artigo 30-A; b) ausência de demonstração cabal da omissão de gastos na prestação de contas; c) inexistência de vinculação com a campanha eleitoral e ausência das circunstâncias elementares do tipo (fraude, má-fé e origem ilícita dos recursos) e d) ausência de relevância jurídica.
Entendeu a magistrada, em análise preliminar e precária, que os requerentes se desincumbiram do ônus de demonstrar plausível a ofensa ao art. 30-A da Lei das Eleições, e também a desnecessidade de incursão no caderno fático-probatório para a revaloração jurídica dos fatos.
Referiu desacordo aparente da decisão regional com o entendimento do Tribunal Superior, uma vez que este exige, para a cassação de diploma com fundamento no referido dispositivo legal, a “ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito”, não bastando a simples desaprovação de contas de campanha decorrente da não comprovação da origem de determinado recurso.
Reproduzindo excertos do voto vencido, ressaltou que o bem jurídico protegido pela norma em apreço é a moralidade da eleição, sendo que o conjunto fático-probatório delineado no acórdão recorrido não configura circunstância apta a gerar desequilíbrio eleitoral entre os postulantes, com gravidade suficiente para macular o resultado da disputa, o que sugere a possibilidade de êxito dos recorrentes em sua pretensão de reforma da decisão.
O perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo surge com a cassação dos autores e a marcação de novas eleições, não havendo, por outro lado, perigo de irreversibilidade do efeito da decisão.
Requerimento deferido em parte, a fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso especial eleitoral, tão somente para suspender a realização das eleições extraordinárias designadas para 05.03.2023 no Município de Caseiros/RS, até que se tenha julgamento definitivo do recurso.
Agravantes: Leo César Tessaro e Mario João Comparin
Agravado: Ministério Público Eleitoral
Relator: Ministro André Mendonça
Data: 12 de agosto de 2024.
O relator, monocraticamente, proveu o recurso especial.
Apontou que a maioria dos magistrados, na origem, fundamentou a gravidade da conduta em elementos de prova produzidos em sede do processo de contas, o que vai de encontro à jurisprudência do Tribunal Superior, segundo a qual o ilícito previsto no art. 30–A “… não se confunde com irregularidades contábeis apuradas em processo próprio de prestação de contas, as quais, se detectadas, ensejam, naquela seara, as consequências apropriadas.” Assim, o acervo probatório dos autos não se presta a demonstrar gravidade suficiente para macular a lisura do pleito e o equilíbrio entre os candidatos e, por conseguinte, acarretar a cassação do diploma dos recorrentes. Da mesma forma, não restou evidenciada a ilegalidade qualificada pela má-fé do candidato.
Recurso provido para reformar o acórdão regional e julgar improcedente a representação.