5. O julgamento originário da Chapa dos ex-Presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer: da questão da (in)divisibilidade da chapa à estabilização da demanda

Imagens - ANÁLISE DOS MAIS SIGNIFICATIVOS JULGAMENTOS RECENTES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (T...

O Tribunal Superior Eleitoral, pela primeira vez, debruçou-se sobre casos que poderiam ter ensejado a cassação de mandato do então ocupante do posto mais alto da nação, o Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia, bem como, em relação a ele e à ex-Presidente Dilma Vana Rousseff, torná-los inelegíveis por oito anos. 

Intensos debates foram travados entre as partes envolvidas nos autos dos processos da Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) n. 1547-81 e n. 1943-58, da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) n. 7-61 e da Representação (Rp) n. 8-46 no sentido da divisibilidade ou da indivisibilidade da chapa e suas respectivas repercussões processuais e de julgamento. 

Os argumentos despendidos de lado a lado obtiverem grandes repercussões nos meios de comunicação social e em sítios especializados em notícias e em artigos jurídicos, gerando muitas dúvidas acerca de como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aplicaria o arcabouço constitucional e legislativo no caso concreto. 

Inicialmente, as principais discussões giravam acerca de uma eventual “acessoriedade” da figura do candidato à Vice-Presidente da República, o que o levaria à relativização da regra da unicidade da chapa majoritária no que tange à prestação de contas de campanha. Para tanto, a defesa do então Presidente Michel Temer trouxe, a título de argumentação, o Recurso Ordinário (RO) n. 2233/RR, que julgou, em 2009, o já à época falecido Governador de Roraima, Ottomar Pinto, e o seu Vice, que assumira a titularidade do cargo, Anchieta Júnior. Havia sido o próprio Presidente do TSE, Ministro GILMAR MENDES, quem havia destacado esse caso como um importante precedente quando o processo que analisa as contas da chapa Dilma-Temer estava em seu início. O claro intuito defensivo foi o de reforçar a tese de que a unicidade da chapa pode admitir ressalvas, como restou asseverado nas alegações finais: “Resta claro, dessa forma, que não obstante a jurisprudência predominante no sentido da unicidade, há possibilidade de temperamento; de ressalvas; obtidas a partir do caso concreto”.iv 

Ao final, tal tese não prosperou. No entanto, as ações foram julgadas improcedentes em sua totalidade, sendo, smj, o ponto decisivo mais para o resultado final dos julgamentos o acolhimento de uma das preliminares arguidas, tratando sobre a estabilização da demanda sob os fatos e os fundamentos da petição inicial e a impossibilidade do alargamento das causa de pedir. 

A defesa do então Presidente Michel Temer juntou ao processo parecer, subscrito pelo Advogado e Professor LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA, contra a inclusão de delações da empreiteira Odebrecht. Nele, afirma-se que a antiga relatora, Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, permitiu uma indevida ampliação objetiva das demandas ao colher provas sobre fatos que não foram descritos nas petições iniciais, datadas de 2014 e de 2015. 

Consta, em relação ao tema, na ementa: 

7. AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA EM RELAÇÃO A ILÍCITOS NARRADOS POR EXECUTIVOS DA ODEBRECHT

O pedido formulado pelo autor, na inicial da ação, delimita o seu objeto, não se admitindo a sua ampliação posterior para incluir elementos ou fatos que deixaram de figurar na petição inaugural.

a) Segundo o princípio jurídico processual da congruência, adstrição ou correlação, o julgamento judicial fica adstrito ao pedido e à causa de pedir postos na inicial da ação, pela iniciativa do autor. Assim, não compete ao órgão julgador modificar, alterar, retocar, suprir ou complementar o pedido da parte promovente.

b) A formação da convicção judicial, também em sede eleitoral, elabora-se livremente, mediante a apreciação do acervo probatório trazido aos autos, mas nos limites da moldura fixada no pedido posto na inicial da ação. O Julgador eleitoral pode valer-se da prova encontrável nos chamados fatos públicos e notórios, bem como na valoração dos indícios e presunções, prestigiando as circunstâncias relevantes da causa mas não as estranhas a ela , ainda que não tenham sido indicadas ou alegadas pelas partes, tudo de modo a dar primazia à preservação do interesse público de lisura do pleito eleitoral, como enuncia o art. 23 da LC 64/90.

c) No entanto, esse art. 23 da LC 64/90, ao alargar a atividade probatória, não autoriza a prolação de juízo condenatório que não seja fundado diretamente na prova dos fatos que compuseram o suporte empírico da iniciativa sancionadora. Em outros termos, esse dispositivo legal não elimina do mundo do processo as garantias clássicas das pessoas processadas nem detona os limites da atuação judicial, como se abrisse a sua porta ao ingresso de procedimentos indiscriminados ou mesmo à inclusão de fatos que não foram apontados na peça inaugural do processo. Numa ação sancionadora isso seria fatal para o sistema de garantias processuais.

d) A ampliação dos poderes instrutórios do Juiz pelo art. 23 da LC 64/90 e pelo Código Fux deve ocorrer nos limites do que predefinido como pedido e causa de pedir pelo autor da ação, uma vez que cabe às partes descrever os elementos essenciais à instrução do feito, e não ao Juiz, que não é autor da ação. Ao declarar a constitucionalidade do referido art. 23 da LC 64/90, o Supremo Tribunal Federal assentou que a atenuação do princípio dispositivo no Direito Processual moderno não serve a tornar o Magistrado o protagonista da instrução processual. A iniciativa probatória estatal, se levada a extremos, cria, inegavelmente, fatores propícios à parcialidade, pois transforma o Juiz em assistente de um litigante em detrimento do outro. As partes continuam a ter a função precípua de propor os elementos indispensáveis à instrução do processo, mesmo porque não se extinguem as normas atinentes à isonomia e ao ônus da prova (ADI 1.082/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe 30.10.2014).

e) A atividade estatal repressora de desvios ou de ilícitos de qualquer natureza somente é exercida com legitimidade quando se desenvolve nos padrões jurídicos e judiciais processuais previamente delineados e aceitos como regedores dessa mesma atividade. Em razão disso, não são toleráveis surpresas desconcertantes, causadoras de prejuízo à ampla defesa da parte, no contexto do justo processo jurídico. Não demonstra reverência aos ditames do Direito a atividade sancionadora que se afastar do plexo das garantias que resguardam a pessoa processada contra excessos ou demasias dos agentes operadores da repressão.

f) Uma das garantias processuais mais relevantes, integrante do justo processo jurídico, é aquela que diz respeito à ciência, pela pessoa acionada, de todos os fatos e argumentos alegados contra si pela parte promovente. Por isso se diz que a petição inicial define os polos da demanda e delimita o seu objeto, em face do qual se desenvolve a resposta à lide e se instala a atividade probatória. A instrução visa ao convencimento do Julgador, quanto à materialidade e à autoria dos atos postos na imputação (inicial da ação sancionadora), sendo a sua produção o núcleo ou o centro da solução da questão. Não se pode aceitar (nem se deve aceitar) decisão judicial condenatória sem prova concludente dos fatos imputados e da sua autoria.

g) Na presente ação, serão apreciadas as provas produzidas até a estabilização da demanda, de modo que é somente o rol daqueles fatos, com a exclusão de quaisquer outros, que compõe o interesse da jurisdição eleitoral e demarca o exercício da atividade das partes relativamente às provas. Nem mais e nem menos, sob pena de o processo se converter num campo minado de súbitas armadilhas e surpresas.

h) Os princípios constitucionais do contraditório exigem a delimitação da causa de pedir, tanto no processo civil comum como no processo eleitoral, para que as partes e também o Julgador tenham pleno conhecimento da lide e do efeito jurídico que deve ser objeto da decisão. Colhe-se da jurisprudência do colendo STJ que o Juiz não pode decidir com fundamento em fato não alegado, sob pena de comprometer o contraditório, impondo ao vencido resultado não requerido, do qual não se defendeu (REsp 1.641.446/PI, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 21.3.2017).

i) As garantias processuais interessam às partes do processo e também a toda a coletividade, pois instituem preceitos protetores dos direitos e das liberdades de todos os integrantes do grupo social, além de se tratar de elemento estruturante do conceito funcional do justo processo jurídico.

j) Assim, no Direito Eleitoral, o Juiz Eleitoral, ao exercer o seu poder-dever de iniciativa probatória na busca da verdade real, precisa observar os freios impostos pela Constituição quanto à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII) , pela legislação eleitoral quanto ao prazo decadencial das ações eleitorais (art. 97-A da Lei 9.504/97) e pelo Código de Processo Civil no que concerne ao princípio da congruência (arts. 141 e 492).

k) Estas ações são de direito estrito, que não podem ser conduzidas pelo procedimento civil comum ordinário, e exigem prova pré-constituída para a retirada de candidato investido em mandato, de forma legítima, pelo voto popular. O curtíssimo prazo para a realização de atos processuais eleitorais busca preservar a soberania popular, ou seja, o voto manifestado pelo titular da soberania e o exercício do mandato de quem ganhou a eleição, democraticamente, nas urnas.

l) Preliminar acolhida, para afastar os elementos ou fatos que deixaram de figurar nas petições iniciais e extrapolaram as causas de pedir das demandas.v

Assim, sob uma ementa muito extensa, foram decididos reunidamente os casos. Em sua primeira parte e, pulando as questões preliminares e incidentais, afirmou o TSE sobre o mérito: 

ELEIÇÕES 2014. DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). REPRESENTAÇÃO (RP). PLEITO PRESIDENCIAL. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. IMPUTAÇÃO DE ABUSO DO PODER POLÍTICO E DO PODER ECONÔMICO. PEDIDO DE CASSAÇÃO DE DIPLOMA E DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TSE PARA JULGAR E CASSAR DIPLOMA DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INOCORRÊNCIA: (I) DE LITISPENDÊNCIA, (II) DE PERDA DE OBJETO EM VIRTUDE DO PROCESSO DE IMPEACHMENT, (III) DE VIOLAÇÃO À ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, (IV) DE CERCEAMENTO DE DEFESA OU (V) AOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE DA AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA DEMANDA. JULGAMENTO JUDICIAL ADSTRITO AO PEDIDO E À CAUSA DE PEDIR POSTOS NA INICIAL DA AÇÃO. PRINCÍPIO JURÍDICO PROCESSUAL DA CONGRUÊNCIA, ADSTRIÇÃO OU CORRELAÇÃO. ARTS. 128 E 460 DO CÓDIGO BUZAID. ART. 492 DO CÓDIGO FUX. REGRA ÁUREA DE PRESERVAÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO À AMPLA DEFESA. PRESENÇA NÃO SATISFATÓRIA DE ACERVO PROBANTE EFETIVO E COERENTE QUANTO AOS FATOS QUE DERAM SUPORTE AO PEDIDO INICIAL. NESTE CASO, HÁ APENAS MINGUADA COMPROVAÇÃO DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA PRÁTICA DAS CONDUTAS PUNÍVEIS. LASTRO PROBATÓRIO INCONCLUSIVO QUANTO À CONCRETA OCORRÊNCIA DOS ALEGADOS ILÍCITOS. PEDIDOS FORMULADOS NA AIJE E NAS DEMAIS AÇÕES CONEXAS AJUIZADAS CONTRA A SENHORA DOUTORA DILMA VANA ROUSSEFF E O SENHOR PROFESSOR MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA JULGADOS IMPROCEDENTES.

[...]

DO MÉRITO

8. Para efeito de julgamento da presente demanda, o seu objeto e a sua causa de pedir estão devidamente explicitados na petição que a deflagrou e dizem respeito a verificar a ocorrência de abuso do poder político e do poder econômico (art. 22, caput, da LC 64/90), bem como o recebimento de doações (legais ou ilegais) à campanha pela chapa presidencial que venceu as eleições de 2014, doações essas advindas de empreiteiras que mantinham contratos com a PETROBRAS, que caracterizariam arrecadação e gastos ilícitos de recursos para campanha eleitoral (30-A da Lei 9.504/97). E se tais recursos são (ou não) provenientes de desvios criminosos de valores que tenham, especificamente, suprido as contas da Coligação com a Força do Povo naquele pleito.

9. Com efeito, a Legislação Eleitoral sanciona com exaltada veemência as práticas de abusos ou ilícitos de qualquer natureza que tenham o efeito ou a potencialidade de macular a lisura dos pleitos eleitorais, quer viciando os resultados da votação popular mediante fraudes, quer de alguma outra forma desequilibrando os termos da saudável competição democrática entre os pleiteantes dos cargos eletivos.

10. De acordo com o entendimento deste Tribunal Superior, entretanto, faz-se necessária a existência de provas robustas e inequívocas dos fatos narrados na inicial e da demonstração de sua gravidade, a fim de embasar a condenação pela prática abusiva.

11. No caso, diante da escassez probatória dos fatos componentes do objeto da demanda, tem-se, de imediato, como improcedentes as seguintes alegações (i) de desvio de finalidade na convocação de rede nacional de emissoras de radiodifusão; (ii) de manipulação na divulgação de indicadores socioeconômicos; (iii) de uso indevido de prédios e equipamentos públicos para a realização de atos próprios de campanha; e (iv) de veiculação de publicidade institucional em período vedado - condutas essas relacionadas à alegação de abuso do poder político.

12. No que se refere à alegação de abuso do poder econômico, igualmente diante da escassez probatória dos fatos narrados na inicial, tem-se como improcedentes as alegações de (v) realização de gastos de campanha em valor que extrapola o limite informado; (vi) massiva propaganda eleitoral levada a efeito por meio de recursos geridos por entidades sindicais; (vii) transporte de eleitores por meio de organização supostamente não governamental que recebeu verba pública para participação em comício na cidade de Petrolina/PE.

13. Igual destino têm as alegações de (i) uso indevido de meios de comunicação social consistente na utilização do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão para veicular inverdades; (ii) de falta de comprovantes idôneos de significativa parcela das despesas efetuadas na campanha; (iii) de disseminação de falsas informações a respeito da extinção de programas sociais; (iv) bem como todas as demais condutas reputadas abusivas ou ilícitas que não dizem respeito à contratação de materiais gráficos de campanha e aos supostos recebimentos e gastos ilícitos de recursos para a campanha presidencial provenientes de contratos de empreiteiras com a PETROBRAS.

14. No que concerne ao abuso do poder econômico referente à contratação de gráficas para a produção de material da campanha eleitoral da chapa vencedora Coligação com a Força do Povo , não se pode ter tal situação como abusiva, pelo menos dentro da perspectiva do Direito Eleitoral Sancionador. O que se tem de concreto, quanto a isso, a partir do exame dos laudos da perícia contábil, é que o pagamento dos serviços gráficos contratados foi rigorosamente adimplido. Todavia, se os serviços foram prestados de forma parcial, ou não foram efetivamente prestados, a dinâmica da referida relação negocial sugere uma situação de inadimplemento contratual, ou a eventual prática de ilícitos penais ou tributários, que pode ser objeto de persecução na via processual adequada, observado o justo processo jurídico.

15. A peculiar via do processo judicial eleitoral não se mostra apropriada para se certificar e apurar devidamente o contexto desses contratos, porque o eixo da atuação desta Justiça Especializada é a garantia da regularidade do processo democrático, e não o reconhecimento e a sanção dos agentes de eventuais ilícitos administrativos e/ou criminais, mas sem que, com isso, se esteja minimizando a sua notória importância.

16. Considerada a independência das instâncias, persistem o interesse e a viabilidade de se apurar a licitude dos atos aqui noticiados, mas em seara punitiva própria, se for o caso, conforme parecer às autoridades legitimadas para a sua promoção. A Justiça Eleitoral pode muito, mas não pode tudo. Não pode, por exemplo, atuar como o juízo universal de todos os ilícitos, crimes, desvios e improbidades.

17. Para a caracterização de prática abusiva, na seara eleitoral, faz-se necessária a demonstração de extrapolação, comportamento marcado por um vetor positivo, que gere induvidosa situação de vantagem para aquele que a tenha praticado, em detrimento da competição democrática. Com efeito, é de inviável alcance caracterizar de abusiva conduta que resultou em um serviço mal prestado, ou mesmo, em outras situações, não prestado. Em verdade, o que se tem aqui é a evidência de um serviço indiscutivelmente deficitário.

18. Assim, escorado em compreensão teleológica, ausente a prática de conduta abusiva na contratação de serviços gráficos pela chapa vencedora do pleito presidencial de 2014, tem-se que não merece prosperar, no particular, o pedido condenatório contido na petição inicial, exatamente porque o fato em que se apoia não resultou comprovado.

19. Examina-se, no passo seguinte, a ocorrência de abuso do poder econômico na eleição presidencial de 2014 pela utilização de recursos não contabilizados ou ilegalmente extraídos de contratos de empreiteiras com a PETROBRAS, nos termos em que postulado na peça exordial da demanda e considerado todo o arcabouço probatório produzido nos autos.

20. Com efeito, não restou comprovada nos autos a alegação dos autores de que a campanha presidencial da chapa eleita teria sido financiada, em parte, mediante doações oficiais de empreiteiras contratadas pela PETROBRAS como parte da distribuição de propinas.

21. A prova dos presentes fatos envolve quatro aspectos: i) se existiram doações oficiais de empresas contratadas pela PETROBRAS à campanha eleitoral de 2014; ii) se há prova de que os contratos com a PETROBRAS foram fraudados para obtenção de vantagens ilícitas; iii) se o acerto previa alguma contrapartida aos partidos políticos; iv) se totalidade ou parte de recursos ilícitos aportou na campanha presidencial dos requeridos no ano de 2014.

22. Não existem controvérsias nestes autos quanto à existência de doações oficiais por empresas citadas na inicial que mantinham contratos com a PETROBRAS à campanha da chapa presidencial eleita em 2014. Também há provas nos autos de que alguns diretores, indicados por partidos políticos, operavam determinados contratos da PETROBRAS, de modo que percentuais prefixados sobre alguns contratos eram repassados a maior para as empresas, as quais, por sua vez, alimentavam o caixa de partidos políticos por meio, entre outros métodos, de doações oficiais.

23. As provas testemunhais colhidas nos autos, analisadas com minúcia, evidenciam uma relação simbiótica entre agentes estatais e grandes empresas com contratos com o Poder Público e convergem na explicitação de um sofisticado, porém ilegal, método de financiamento de campanhas eleitorais, caracterizado pela utilização de uma metodologia operacional espúria denominada caixa dois.

24. Assim, para além da contabilidade oficial das campanhas, movimentavam-se recursos nela não registrados, que seriam utilizados para fazer frente aos gastos de campanha, sendo que tais recursos seriam disponibilizados pelas aludidas empresas que possuem contratos de elevado vulto com o Poder Público. Esta é a promiscuidade aterradora que surpreendeu o País e gerou efeitos que devastaram a confiança de todos na forma de exercício político/administrativo de um Estado leviatânico gigantesco e multitentacular.

25. Ressalte-se, por oportuno, que a forma como esses contratos administrativos foram celebrados, a eventual não contraprestação dos pactos firmados e a alegada relação promíscua entre agentes públicos e privados, em função dessas avenças, escapam ao objeto destas ações, mas não escapam ao interesse estatal sancionador. Porém, diante do dever de autocontenção judicial que deve permear o exercício da jurisdição, tais matérias não serão objeto de outras considerações e análises por deverem formar o foco de investigação de outros processos.

26. É muito natural que se façam variadas ilações sobre o uso desses recursos e até mesmo que se afirme que as coisas se passaram desta ou daquela maneira, sempre com o ânimo de concluir ter havido esse ou aquele ato ilícito, típico e punível. O que é preciso, porém, é que haja provas definidas de qualquer desses eventos (ou de todos), porque as instâncias sancionadoras não apoiam os seus veredictos em suposições, alvitres ou ilações, mas, sim, em elementos densos que suportem o juízo judicial de condenação pela prática de ilícitos.

27. Todavia, não há nos presentes autos prova segura e cabal de que as doações para a campanha presidencial de 2014 da chapa vencedora tenham decorrido do esquema ilícito de propinas que ocorreu no âmbito dos contratos com a PETROBRAS.

28. Ou seja, em que pese a ampla produção probatória sobre a suposta arrecadação e gastos de recursos (legal e ilegal) advindos de empreiteiras que mantinham contratos com a PETROBRAS pela chapa presidencial que venceu as eleições de 2014, nada há nos autos que evidencie, com a devida segurança, que tenham ocorrido doações ilegais direcionadas à chapa vencedora da campanha eleitoral presidencial de 2014. Os testemunhos colhidos reportam, na verdade, a destinação de percentual do valor total das obras pactuadas com a PETROBRAS, na forma de propinas, a diversos agentes públicos e vários dirigentes partidários. Mas o que interessa a este julgamento é saber qual destino se deu a tais recursos: (i) se propiciaram o enriquecimento ilícito desses agentes públicos e privados (corrupção pura e simples), (ii) se foram utilizados para garantir o funcionamento alinhado das máquinas partidárias (cooptação ilícita de apoios) ou (iii) se foram vertidos no custeio da campanha presidencial das eleições de 2014.

29. Malgrado tenha sido ouvido um número expressivo de testemunhas na chamada primeira fase da instrução, contabilizando-se mais de 40 depoimentos, não houve qualquer confirmação categórica acerca da utilização de propinas de contratos de empreiteiras vinculadas à PETROBRAS para abastecer a campanha de 2014. Ou seja, os depoimentos colhidos não afastaram as afirmações das respostas no sentido de que as doações foram realizadas em períodos anteriores a 2014, ou seja, antes do pleito investigado nestas ações.

30. Por outro lado, os valores eram destinados a partidos políticos, e não diretamente às campanhas eleitorais. Assim, se o doador obteve recursos de forma ilícita, como alegam os autores, essa ilicitude não se projeta sobre o donatário, tornado-o partícipe confesso. Até porque, mesmo que as doações tenham sido de forma substancial para a campanha dos autores, certo é que as empreiteiras doaram recursos para quase todas as campanhas mais importantes do pleito de 2014.

31. Assim, diante da diminuta consistência do suporte probatório, não cabe aqui outra providência judicial que não seja proclamar a ausência de prova consistente quanto ao alegado abuso do poder político e/ou econômico, além da arrecadação e gastos ilícitos de recursos apontados como perpetrados pelos representados na eleição presidencial de 2014. Atitude em sentido diverso importaria em maximizar e autonomizar os efeitos das provas testemunhais, nem sempre depuradas de intuitos subjetivos ou apreciações tendenciosas e, portanto, imerecedoras de crédito judicial pleno e imediato. Neste caso, as provas testemunhais acham-se desacompanhadas de lastro material probatório mínimo, relevando pôr-se em evidência que aqui se trata de ilícitos que deixam vestígios empíricos.

32. Sabe-se que a prova dos atos ilícitos é sempre tormentosa e difícil e que a aspereza de sua produção às vezes sugere que o juízo de condenação se contente com uma espécie de convicção íntima de culpa do imputado que o Julgador aninha ou acolhe na sua mente. Mas se impõe refletir que, neste caso, tal convicção resulta em impor aos representados duríssimas sanções jurídicas, pela só qualidade de agentes do cenário político nacional, sem que se ajunte evidência bastante o suficiente acerca de atos imputados e puníveis, o que não se coaduna com as premissas do sistema jurídico sancionador brasileiro.

33. Não se deve punir o imputado pelo fato de ele ser, mas somente pelo fato de ele fazer. Orientação que adverse esta parêmia garantística põe em risco geral a segurança dos direitos das pessoas, atingindo relações que vão além das partes e do contexto deste julgamento. Não convém esquecer que a atuação judicial é permanente e se prolongará no tempo e que as garantias das pessoas não podem ceder o passo a reações tópicas ou localizadas, ainda que legítimas, porque relativizar uma delas importa em deixar todas as outras sob o mesmo risco.

34. Com efeito, no Direito Eleitoral vigora o princípio do in dubio pro libertate, adotado expressamente, segundo a doutrina sancionadora, no art. 368-A do Código Eleitoral, ao considerar que a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

35. A ideologia jusgarantística judicial contemporânea tem, neste julgamento, uma perfeita oportunidade para a sua afirmação. Assim, julgam-se totalmente improcedentes os pedidos constantes da AIJE e demais ações conexas ajuizadas contra a Senhora Doutora DILMA VANA ROUSSEFF e o Senhor Professor MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA.

36. Ação de Investigação Judicial Eleitoral, Ação de Impugnação de Mandado Eletivo e Representação improcedentes. 

Portanto, houve uma circunstância processual a colaborar decisivamente para o desfecho das demandas, ajuizadas pela Coligação Muda Brasil e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), algo bastante peculiar quando se pensa em ações eleitorais que visam a cassações em geral. O próprio advogado parecerista declarou que estava convencido de que sua participação no julgamento foi resultado de “uma feliz coincidência que não vai acontecer mais: o maior caso da Justiça Eleitoral foi resolvido por um tema de Processo Civil.vi

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iv Jornal Gazeta do Povo. Decisão citada por defesa de Temer reforça tese da indivisibilidade da chapa de Dilma. Curitiba. 23 abr. 2017. Disponível em:https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/lucio-vaz/decisao-citada-por-defesa-de-temer-reforca-tese-da-indivisibilidade-da-chapa-de-dilma. Acesso em: 30 jun. 2020.

v BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 194358. ELEIÇÕES 2014. DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). REPRESENTAÇÃO (RP). PLEITO PRESIDENCIAL. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. IMPUTAÇÃO DE ABUSO DO PODER POLÍTICO E DO PODER ECONÔMICO. PEDIDO DE CASSAÇÃO DE DIPLOMA E DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TSE PARA JULGAR E CASSAR DIPLOMA DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Relator Ministro Herman Benjamin. Relator designado Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Tribunal Pleno. Brasília/DF, 09 jun. 2017. Diário de justiça Eletrônico, 12 set. 2018, pp. 48-54. Brasília/DF, 03 ago. 2017. Disponível em: www.tse.jus.br. Acesso em: 30 jun. 2020.

vi Revista Ideias. O advogado que ajudou a safar Temer. Curitiba. 30 jun. 2017. Disponível em: https://www.revistaideias.com.br/2017/06/30/o-advogado-que-ajudou-a-safar-temer/. Acesso em: 30 jun. 2020.

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6. O julgamento, em grau recursal, das chapas dos ex-Governadores dos Estados do Amazonas e do Tocantins: o TSE, o STF e a execução imediata dos julgados